domingo, 19 de setembro de 2021

Dona Mariquinha e a Lombriga


 

Eles ainda estavam por aqui, neste plano, quando tive a feliz ideia e o privilégio de fazer uma visita aos amigos, seu Servinato e dona Mariquinha. Ele, pescador.  Ela, dona de casa. Sobre ele tenho algumas histórias registradas envolvendo aventuras no mar.

Na ocasião da agradável visita, acontecida já há alguns anos, dona Mariquinha contou sua aventura. E não foi no mar. Seus pés estavam bem fincados no chão.

Antes quero mencionar detalhes que envolvem essa família e estão bem presentes em minha memória. Nossas famílias eram bem próximas. Meus pais batizaram uma das filhas do casal, se não me engano a Dulce Helena, portanto eram compadres. As filhas, Zeni e Zeli, especialmente, eram nossas amigas, tanto na escola, como nas brincadeiras diárias. A prole era bem grande. As citadas acima eram as mais velhas. Depois vieram muitos mais que eu não saberia enumerar. Quando fui visitá-los eles moravam com um dos filhos, o Silvio.

De vez em quando, à tarde, íamos à casa deles chamar as meninas para brincar. Era impossível não observar a limpeza do terreiro, era como chamavam o quintal da casa deles. Uma areia fina e branca, cuidadosamente rastelada para que ali não ficasse uma única folhinha. O rastelo deixava desenhos no chão. Era muito lindo. Nessas ocasiões, o pai dormia a fim de repor as energias para enfrentar o mar durante boa parte da noite seguinte, a mãe remendava as redes e tarrafas e as crianças arrumavam os anzóis com as linhas no espinhel. Somente depois dessa tarefa concluída é que as meninas podiam sair para brincar.

Tarefa cumprida, saíamos pelo mundo. Era nosso quintal. As brincadeiras sazonais variavam entre pular corda com o baraço da vegetação de restinga da praia, o que nos deixava com as palmas das mãos pretas e grudentas por causa da resina que a “corda” soltava. “Sal, pimenta, fogo” e já nos preparávamos para o tombo inevitável na areia.  Brincadeiras de bonecas, casinha, cozinhada, ainda lembro do sabor inigualável da comida de verdade feita nessas ocasiões, com destaque para cabeça de tainha no feijão, no final do outono, época em que se pescava tal peixe, uma iguaria que nunca mais experimentei. E tantas outras brincadeiras maravilhosas, tantas que merecerão um texto só para elas.

Voltemos para a história da dona Mariquinha. Ela me contou que houve um tempo, muito tempo aliás, em que ela começou a sentir fortes dores no baixo ventre. Os dias se passaram, ela tomou chá de ervas que lhe ensinaram e nada de passar a dor. Resolveu então procurar o único recurso de assistência médica que havia no lugar. Um posto de saúde que ficava sob a responsabilidade de dona Lily e dona Erna. Estas levavam muito a sério seu trabalho e recebiam com carinho e atenção todos que precisavam de cuidados médicos e de enfermagem. O posto de saúde era visitado mensalmente por um médico famoso de Curitiba, de quem vou omitir o nome. Li o nome dele entre os fundadores de importante hospital dessa cidade tempos atrás. Dona Mariquinha marcou uma consulta e foi pedir socorro ao profissional para se livrar de suas dores abdominais.

  Devido aos parcos recursos médicos e, principalmente, aos hábitos alimentares e de higiene inadequados, a população do lugar era, frequentemente, acometida de verminose. O doutor, após minucioso exame, não teve dificuldade em dar o diagnóstico e receitou seis “bagas dextamanho”, disse-me dona Mariquinha, apontando mais da metade do seu dedo mínimo. Uma dose generosa de vermífugo. Continuou o relato dizendo que foi para casa contente por visualizar a cura próxima. E, naquela noite, tomou os seis comprimidos de uma vez.

Qual não foi sua decepção ao sentir que as dores ficaram mais intensas. Muito mais!  E, naquela madrugada, a dor cessou somente quando ela pariu o Antônio, a lombriga que tanto lhe causava sofrimento. Um menino tão franzino e pequeno que todos duvidaram que sobreviveria. Minha mãe foi visitar a comadre. Minha irmã mais velha, que a acompanhou, relatou depois, que a criança tinha o tamanho de um garfo.

Contrariando a maioria dos que o viram recém-nascido, Antônio cresceu, casou-se e teve filhos. Até virou um grande contador de histórias.

A história é trágica, mas até dona Mariquinha deu boas risadas ao contá-la.