domingo, 23 de março de 2014

A igrejinha




Aquela igrejinha amarela, portas abertas viradas para o mar, é um dos postais da cidadezinha fixados na memória das lembranças da minha infância.
Aos domingos os fiéis chegavam contritos para assistir à missa. Os homens tiravam seus chapéus e dirigiam-se, juntamente com os moços e meninos, aos bancos do lado direito e as mulheres cobrindo suas cabeças com véu preto, as moças com véu branco, junto com as meninas ocupavam o lado esquerdo da pequena nave.
Entrava o padre Horácio ladeado por dois coroinhas e, lá do alto do coro, minha irmã Sueli atacava, no órgão, a introdução ao culto daquele dia. A maioria dos hinos religiosos era cantada em português, mas algum cântico era entoado em latim, língua em que era rezada toda a missa. Todos entoávamos, então, com toda a cerimônia que o momento exigia: Tantum ergum sacramentum... A comoção era geral, embora pouco se entendesse o conteúdo. Pura fé!
O padre, nesse tempo, rezava a missa de costas para os fiéis, virado para o altar, rezava em latim. Eram momentos em que tínhamos contato íntimo e direto com Deus, pois não nos era possível atingir o significado das preces proferidas pelo sacerdote. A fé, no entanto, era intensa a ponto de nos levar às lágrimas. E a abençoada conversa com Ele fluía até chegar o momento de interagir com o oficiante. A leitura do Evangelho, a homilia e, posteriormente, a Eucaristia.

O nosso padre Horácio era uma figura ímpar. Vivia em um município vizinho, sede da paróquia e visitava nossa linda capelinha amarela, portas abertas viradas para o mar, esporadicamente, para atender os fiéis fervorosos e oficiar missas. Velhinho, barriga proeminente, olhar sereno e carinhoso. Eu tinha alguma dificuldade para entender o que ele falava, parecia que sua língua era grossa, o que o impedia de articular as palavras com clareza. Ou seria de tanto falar latim? Quem sabe, por isso, a língua já estaria irremediavelmente enrolada? O que importa, no entanto, é que ele, sem dúvida, era o intermediário entre nós e Deus. Ah, isso era! Esse tempo, nessa igrejinha simples, foi fundamental para a formação da pessoa de fé que hoje sou.

Lembro-me de quando a sede da paróquia cedeu um pequeno órgão para a nossa capela. Alegria geral. O coral seria definitivamente formado e sacramentado. Mas havia um sério problema: ninguém na comunidade sabia como manusear tal instrumento. Pensa daqui e quebra a cabeça de lá, até que surgiu a alma salvadora. Minha irmã Sueli dispôs-se a aprender a tocá-lo. Ficou em Joinville uma semana, fez um curso intensivo e, apenas uma semana depois, lá estava ela sentada no banquinho apertando os pedais dos foles do órgão e tirando preciosos sons para acompanhar as mulheres a entoar os hinos sagrados. O coral foi organizado, às vezes até me deixavam cantar. Minha alegria e empolgação eram tantas que me saltava uma veia no pescoço, fruto do esforço que fazia para não desafinar e não decepcionar, garantindo assim outras participações.

A torre do sino inspirava um pouco de receio. O acesso a ela era feito por uma escada de madeira, cujos degraus, já carcomidos pelos cupins, rangiam ameaçando ceder ao peso dos passantes. Antes de chegar ao alto da torre, subindo pela escada precária era preciso vencer a poeira e as teias de aranha abundantes. Depois, enfrentavam-se corujas e morcegos que tinham ali seu habitat, cuja sensibilidade à luz os impedia de fugir dos visitantes. Um cenário que deixaria Hitchcock com inveja.
O sino tinha que ser tocado diariamente nos horários determinados pela Igreja. Havia uma corda curtinha fixada nele e precisava que se fosse até o alto da torre para tocá-lo. Quem fazia esse trabalho era o Sálvio Borba, mas, às vezes, algum compromisso o impedia de realizar sua tarefa. Quando não havia mais ninguém disponível para fazer o serviço, ia a Stela, irmã do Sálvio, e nós, suas solidárias amigas, íamos acompanhá-la na tarefa sinistra. Haja coragem! 

Aquela igrejinha amarela, portas abertas viradas para o mar, não existe mais. Foi demolida para dar lugar a uma igreja maior, pois a comunidade cresceu, tornou-se uma paróquia. Só que as portas dessa nova igreja não mais estão voltadas para o mar. Pena!


domingo, 16 de março de 2014

O inesperado e suas surpresas




Filhos não sabem quanta alegria proporcionam aos pais com a sua presença, depois que passam a não mais morar juntos.
Essa afirmação, essa certeza tem base na minha experiência como filha. Não tinha noção de quanto as minhas visitas eram importantes para os meus pais, principalmente para minha mãe, depois que ela ficou sozinha. Hoje carrego comigo esse saldo devedor. Deveria ter ficado muito mais junto deles, dando-lhes carinho e atenção. Penso poder resgatar essa dívida de outro modo e num outro tempo. Amo-os eternamente e sinto sua falta. Sinto saudade, muita saudade.
Pois bem. Agora senta que lá vem a história! Não tenho muito contato físico com minha filha Fernanda, embora nos falemos regularmente por telefone. Ela e a família não moram perto da minha casa e a nossa rotina diária nos impede encontros mais frequentes. O inesperado, no entanto, tem nos feito agradáveis surpresas.
Há algum tempo, eu precisava entregar uma blusinha de tricô que teci para a Mariah, filha da Fernanda e minha neta mais velha, por conta de seu aniversário de doze anos. Fui, então, ao encontro da mãe, que naquela tarde trabalhava, ela e seu marido André, em um hotel da Rua Senador Alencar Guimarães em Curitiba. Eles são proprietários de um Catering, por isso não têm local fixo para trabalhar. Como esse hotel fica no centro da cidade, ficou mais fácil para mim, ir ao encontro dela lá.
Já tinha passado das quatro horas da tarde quando cheguei ao local. Por telefone, avisei-a da minha presença e ela desceu para conversarmos. E não subiu mais. Ficamos passeando pelo calçadão da rua, farta de lojas de roupas, calçados e outros afins, tudo que faz a alegria de qualquer mulher. Depois, sentamo-nos em um dos bancos existentes por ali para, simplesmente conversar. Nada programado, pelo menos por nós duas. E foi delicioso!
Nessa ocasião, fomos personagens de um fato pitoresco. Enquanto conversávamos, percebi a presença de uma senhorinha sentada no banco em frente, a nos observar atentamente. Até aí, nada a estranhar, pois nenhuma de nós duas fazia questão de primar pela discrição ao falar. Estávamos felizes por estarmos ali e a conversa fluía sem tempo para tomar fôlego. Em determinado momento, notamos que a senhorinha, com dificuldade para se locomover, precisava de alguém com documentos que se dispusesse a comprar alguns medicamentos para ela, na farmácia ali perto. Naturalmente nos oferecemos para ajudá-la. Foi quando, sem nos conhecer, ela nos entregou seu cartão de débito e nos informou a senha para fazermos a compra para ela. Nesses tempos de falta de segurança, causou-nos surpresa a confiança que ela depositou em nós. Na volta da farmácia, conversamos com ela sobre isso e ela nos respondeu:
- Eu aprendi a ler nos olhos e na boca das pessoas.
Concluímos que ela nos observava para sentir se éramos confiáveis. Não sabemos o seu nome, nem ela o nosso, mas sempre me lembro dela em minhas preces. Que não sofra nenhuma violência pelos caminhos da vida.
Dia desses, a mesma Fernanda me convidou para ir com ela ao Contador para levar uns documentos, mas não deu certo. A pessoa não estava em casa. Como ambas tínhamos compromisso apenas no final da tarde e ainda era bem cedo, eis que fomos as duas tomar um suco e comer um sanduíche numa padaria qualquer. Totalmente inesperado. Outra delícia!
O inesperado é assim. Causa dores imensas, mas, em contrapartida, proporciona alegrias que não se pode medir. Para mim, somente as alegrias permanecem povoando meu coração, alimentando o meu amor.
Foi assim nos dez dias em que estive no Rio de Janeiro com minha filha Kassandra, em dezembro passado, inesquecíveis e felizes dias, assim é também sempre que minha filha Juliana aparece em minha casa de surpresa para conversarmos e assim foi com a Fernanda nessas duas ocasiões relatadas. Eu me sinto completamente feliz!