Aquela igrejinha amarela, portas abertas viradas para o mar,
é um dos postais da cidadezinha fixados na memória das lembranças da minha
infância.
Aos domingos os fiéis chegavam contritos para assistir à
missa. Os homens tiravam seus chapéus e dirigiam-se, juntamente com os moços e
meninos, aos bancos do lado direito e as mulheres cobrindo suas cabeças com véu
preto, as moças com véu branco, junto com as meninas ocupavam o lado esquerdo
da pequena nave.
Entrava o padre Horácio ladeado por dois coroinhas e, lá do
alto do coro, minha irmã Sueli atacava, no órgão, a introdução ao culto daquele
dia. A maioria dos hinos religiosos era cantada em português, mas algum cântico
era entoado em latim, língua em que era rezada toda a missa. Todos entoávamos,
então, com toda a cerimônia que o momento exigia: Tantum ergum sacramentum... A comoção era geral, embora pouco se entendesse
o conteúdo. Pura fé!
O padre, nesse tempo, rezava a missa de costas para os fiéis,
virado para o altar, rezava em latim. Eram momentos em que tínhamos contato
íntimo e direto com Deus, pois não nos era possível atingir o significado das
preces proferidas pelo sacerdote. A fé, no entanto, era intensa a ponto de nos
levar às lágrimas. E a abençoada conversa com Ele fluía até chegar o momento de
interagir com o oficiante. A leitura do Evangelho, a homilia e, posteriormente,
a Eucaristia.
O nosso padre Horácio era uma figura ímpar. Vivia em um
município vizinho, sede da paróquia e visitava nossa linda capelinha amarela,
portas abertas viradas para o mar, esporadicamente, para atender os fiéis
fervorosos e oficiar missas. Velhinho, barriga proeminente, olhar sereno e
carinhoso. Eu tinha alguma dificuldade para entender o que ele falava, parecia
que sua língua era grossa, o que o impedia de articular as palavras com
clareza. Ou seria de tanto falar latim? Quem sabe, por isso, a língua já
estaria irremediavelmente enrolada? O que importa, no entanto, é que ele, sem
dúvida, era o intermediário entre nós e Deus. Ah, isso era! Esse tempo, nessa
igrejinha simples, foi fundamental para a formação da pessoa de fé que hoje
sou.
Lembro-me de quando a sede da paróquia cedeu um pequeno órgão
para a nossa capela. Alegria geral. O coral seria definitivamente formado e
sacramentado. Mas havia um sério problema: ninguém na comunidade sabia como
manusear tal instrumento. Pensa daqui e quebra a cabeça de lá, até que surgiu a
alma salvadora. Minha irmã Sueli dispôs-se a aprender a tocá-lo. Ficou em Joinville
uma semana, fez um curso intensivo e, apenas uma semana depois, lá estava ela
sentada no banquinho apertando os pedais dos foles do órgão e
tirando preciosos sons para acompanhar as mulheres a entoar os hinos sagrados. O
coral foi organizado, às vezes até me deixavam cantar. Minha alegria e empolgação
eram tantas que me saltava uma veia no pescoço, fruto do esforço que fazia para
não desafinar e não decepcionar, garantindo assim outras participações.
A torre do sino inspirava um pouco de receio. O acesso a ela
era feito por uma escada de madeira, cujos degraus, já carcomidos pelos cupins,
rangiam ameaçando ceder ao peso dos passantes. Antes de chegar ao alto da
torre, subindo pela escada precária era preciso vencer a poeira e as teias de
aranha abundantes. Depois, enfrentavam-se corujas e morcegos que tinham ali seu
habitat, cuja sensibilidade à luz os
impedia de fugir dos visitantes. Um cenário que deixaria Hitchcock com inveja.
O sino tinha que ser tocado diariamente nos horários
determinados pela Igreja. Havia uma corda curtinha fixada nele e precisava que
se fosse até o alto da torre para tocá-lo. Quem fazia esse trabalho era o Sálvio
Borba, mas, às vezes, algum compromisso o impedia de realizar sua tarefa. Quando
não havia mais ninguém disponível para fazer o serviço, ia a Stela, irmã do Sálvio,
e nós, suas solidárias amigas, íamos acompanhá-la na tarefa sinistra. Haja coragem!
Aquela igrejinha amarela, portas abertas viradas para o mar,
não existe mais. Foi demolida para dar lugar a uma igreja maior, pois a
comunidade cresceu, tornou-se uma paróquia. Só que as portas dessa nova igreja
não mais estão voltadas para o mar. Pena!