domingo, 7 de agosto de 2016

Um presente de Natal



Meus pais tinham inúmeros afilhados. Pessoas cujos pais confiavam a eles a guarda dos filhos em caso de alguma situação emergencial na família.
Para que nenhuma criança ficasse esquecida, minha mãe fazia uma extensa lista com seus nomes e datas de nascimento. No dia de seus aniversários, na Páscoa e no Natal, vinham até nossa casa em busca da bênção dos padrinhos e de um presentinho. Tinham certeza de que ali encontrariam ambos.
Os compadres viam em meus pais os conselheiros de todas as horas e também aqueles com quem podiam contar para qualquer situação difícil. Uma doença, uma locomoção até a cidade mais próxima em busca de recursos maiores, um documento que faltava para sua aposentadoria ou conseguir a própria aposentadoria e vai por aí a lista de infindáveis e generosos favores prestados, sem nunca fazer qualquer tipo de cobrança. Gratuidade na mais verdadeira acepção da palavra.
Por ocasião de um Natal qualquer, de posse da lista foram às compras. E voltaram com caixas lotadas de lembranças. Nós crianças adorávamos a tarefa de embrulhar e marcar os nomes dos donos em todos eles. As bonecas, compradas sem roupa, ganhavam trajes luxuosos feitos caprichosamente por minha mãe. Carrinhos, bolas piões e chocalhos, em todos havia um toque de carinho. O Américo, filho do seu João Vitalina, popular João Muçum, havia feito um pedido especial ao padrinho naquele ano. Queria uma bola. No entanto, por uma dessas fatalidades do destino, o nome dele não constava da lista e a bola dele não veio com os outros presentes. Meu pai esquecera o pedido feito pelo afilhadinho.
No dia vinte e cinco de dezembro, todos ou quase todos vinham em busca do seu aguardado presente de Natal. O Américo procurou o padrinho no porto de pesca mesmo, foi quando o padrinho se lembrou de que havia esquecido o pedido feito anteriormente. Deu-lhe, então, dinheiro suficiente para comprar a bola e mais algum doce se assim o desejasse.
Saiu o menino feliz em direção ao comércio onde compraria seu presente. No caminho encontrou seu pai que lhe perguntou a origem daquele dinheiro todo. Ele explica, mas o pai não fica totalmente convencido e toma o valor das mãos do filho, dizendo que iria tirar a história a limpo com o compadre. Foi. Ocorre que no trajeto havia um boteco e o seu João não resistiu à tentação. Entrou e bebeu o dinheiro da bola todo em cachaça. Conta o filho mais velho que ele demorou três dias para voltar para casa. Estava curando o porre em algum lugar incerto e não sabido. O Américo ganhou a sua bola depois de recorrer novamente ao padrinho e relatar o ocorrido.
São historias, cujos adoráveis personagens, fazem parte das minhas lembranças.



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