Meus pais tinham inúmeros afilhados. Pessoas cujos pais
confiavam a eles a guarda dos filhos em caso de alguma situação emergencial na
família.
Para que nenhuma criança ficasse esquecida, minha mãe fazia
uma extensa lista com seus nomes e datas de nascimento. No dia de seus
aniversários, na Páscoa e no Natal, vinham até nossa casa em busca da bênção
dos padrinhos e de um presentinho. Tinham certeza de que ali encontrariam
ambos.
Os compadres viam em meus pais os conselheiros de todas as horas
e também aqueles com quem podiam contar para qualquer situação difícil. Uma
doença, uma locomoção até a cidade mais próxima em busca de recursos maiores,
um documento que faltava para sua aposentadoria ou conseguir a própria
aposentadoria e vai por aí a lista de infindáveis e generosos favores
prestados, sem nunca fazer qualquer tipo de cobrança. Gratuidade na mais
verdadeira acepção da palavra.
Por ocasião de um Natal qualquer, de posse da lista foram às
compras. E voltaram com caixas lotadas de lembranças. Nós crianças adorávamos a
tarefa de embrulhar e marcar os nomes dos donos em todos eles. As bonecas,
compradas sem roupa, ganhavam trajes luxuosos feitos caprichosamente por minha
mãe. Carrinhos, bolas piões e chocalhos, em todos havia um toque de carinho. O
Américo, filho do seu João Vitalina, popular João Muçum, havia feito um pedido
especial ao padrinho naquele ano. Queria uma bola. No entanto, por uma dessas
fatalidades do destino, o nome dele não constava da lista e a bola dele não
veio com os outros presentes. Meu pai esquecera o pedido feito pelo
afilhadinho.
No dia vinte e cinco de dezembro, todos ou quase todos
vinham em busca do seu aguardado presente de Natal. O Américo procurou o
padrinho no porto de pesca mesmo, foi quando o padrinho se lembrou de que havia
esquecido o pedido feito anteriormente. Deu-lhe, então, dinheiro suficiente
para comprar a bola e mais algum doce se assim o desejasse.
Saiu o menino feliz em direção ao comércio onde compraria seu
presente. No caminho encontrou seu pai que lhe perguntou a origem daquele
dinheiro todo. Ele explica, mas o pai não fica totalmente convencido e toma o
valor das mãos do filho, dizendo que iria tirar a história a limpo com o
compadre. Foi. Ocorre que no trajeto havia um boteco e o seu João não resistiu
à tentação. Entrou e bebeu o dinheiro da bola todo em cachaça. Conta o filho
mais velho que ele demorou três dias para voltar para casa. Estava curando o
porre em algum lugar incerto e não sabido. O Américo ganhou a sua bola depois
de recorrer novamente ao padrinho e relatar o ocorrido.
São historias, cujos adoráveis personagens, fazem parte das
minhas lembranças.
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