Desde muito pequena ouço as pessoas falarem sobre rebojo e formava
um conceito bem equivocado do que, realmente, se trata.
Imaginava, talvez pelo som da palavra em minha mente, que se
tratasse de uma mudança brusca da direção do vento. Somente após minha visita à
casa do Alfredo pescador e sua esposa Carmélia é que tomei conhecimento do real
significado da palavra.
O que é um rebojo, mesmo? Trata-se de um vento muito forte,
fortíssimo que causa pânico entre os homens do mar. Atualmente, a tecnologia,
que já chegou às canoas, auxilia os pescadores artesanais e ninguém se aventura
no mar quando a meteorologia anuncia esses ventos fortes. O rebojo. Mas nem
sempre foi assim.
Eu era apenas uma criança e, quando acompanhava meu pai para
comprar peixe, observava curiosa a movimentação no porto das canoas. Causava-me
grande admiração o fato de os pescadores conseguirem se equilibrar com tanta
destreza naquele piso em V do fundo das canoas e ainda remar, pois nesse tempo
não havia motor para impulsionar a embarcação. Chegavam à praia e saíam com
facilidade. Refiro-me às canoas maiores um pouco mais seguras, mas havia lá um
senhorzinho, o seu Tomazinho, barba comprida e cabelo pelos ombros, ambos já
totalmente brancos, cuja embarcação era mínima. Mal cabia ele dentro. E aportava
na areia, a remo, trazendo o produto de seu trabalho em alto mar, utilizando-se
apenas daqueles parcos recursos. A minha memória ainda registra a cena dele,
aquela figura pequena e ímpar, chegando na praia. Às vezes, acontecia de pescar mais mangonas, uma espécie de tubarão de um metro e meio, mais ou menos, do que seu pequeno barco podia conter e precisar amarrar os pescados para fora da pequena embarcação e vir puxando os peixes enormes pela água. Alguma semelhança com o velho e o mar do Hemingway? Ele nunca chegou a saber quem
eu sou, mas eu não o esqueço.
Pois bem. Conversando com meu amigo Alfredo sobre minha
admiração pela valentia do senhor Tomazinho, ele me interpelou dizendo que,
antes dele, houve outro pescador, também velhinho, mais valente ainda. O seu
Manduca. E passou a me contar uma história fantástica que envolveu esse valente pescador e o seu Antônio Domingos, avô do Célio, o domador de ondas, sobre quem
já escrevi aqui neste espaço de lembranças.
Estavam os dois personagens citados pescando mais para o
norte, nas ilhas Tamborete, de onde traziam muito peixe já meio processado,
pronto para ser armazenado até, se fosse preciso, quando perceberam a
aproximação de um rebojo, vindo do sul. Diante do perigo iminente, recolheram
rapidamente seus petrechos e rumaram sem demora de volta para casa. Mas estavam
longe e a tempestade formada por aquele vento intenso os surpreendeu quando
passavam pela boca da barra do rio Itapocu. Seu Manduca não viu outra
alternativa. Rumou a embarcação para entrar rio adentro e alcançar as águas
mais tranquilas da lagoa formada por aquele estuário. As ondas que se formavam
no mar naquele momento eram apavorantes e o esforço para se manter sem
naufragar era intenso. O velho pescador no leme lutando pela sobrevivência de
ambos só gritava para seu companheiro Antônio. “Rema e não olha para trás! ”
Tente o leitor imaginar o pavor que o tomaria se o fizesse. Vagas enormes a
persegui-los muito de perto. Felizmente conseguiram vencer essa força da
natureza. Saíram ilesos da aventura contra o rebojo.
Cabe aqui a informação de que,
nesse tempo, 90% dos pescadores não sabia nadar. Entravam no mar movidos pela
necessidade de sobrevivência e valentia pura.