segunda-feira, 6 de julho de 2020

O rebojo




Desde muito pequena ouço as pessoas falarem sobre rebojo e formava um conceito bem equivocado do que, realmente, se trata.
Imaginava, talvez pelo som da palavra em minha mente, que se tratasse de uma mudança brusca da direção do vento. Somente após minha visita à casa do Alfredo pescador e sua esposa Carmélia é que tomei conhecimento do real significado da palavra.
O que é um rebojo, mesmo? Trata-se de um vento muito forte, fortíssimo que causa pânico entre os homens do mar. Atualmente, a tecnologia, que já chegou às canoas, auxilia os pescadores artesanais e ninguém se aventura no mar quando a meteorologia anuncia esses ventos fortes. O rebojo. Mas nem sempre foi assim.
Eu era apenas uma criança e, quando acompanhava meu pai para comprar peixe, observava curiosa a movimentação no porto das canoas. Causava-me grande admiração o fato de os pescadores conseguirem se equilibrar com tanta destreza naquele piso em V do fundo das canoas e ainda remar, pois nesse tempo não havia motor para impulsionar a embarcação. Chegavam à praia e saíam com facilidade. Refiro-me às canoas maiores um pouco mais seguras, mas havia lá um senhorzinho, o seu Tomazinho, barba comprida e cabelo pelos ombros, ambos já totalmente brancos, cuja embarcação era mínima. Mal cabia ele dentro. E aportava na areia, a remo, trazendo o produto de seu trabalho em alto mar, utilizando-se apenas daqueles parcos recursos. A minha memória ainda registra a cena dele, aquela figura pequena e ímpar, chegando na praia. Às vezes, acontecia de pescar mais mangonas, uma espécie de tubarão de um metro e meio, mais ou menos, do que seu pequeno barco podia conter e precisar amarrar os pescados para fora da pequena embarcação e vir puxando os peixes enormes pela água. Alguma semelhança com o velho e o mar do Hemingway? Ele nunca chegou a saber quem eu sou, mas eu não o esqueço. 
Pois bem. Conversando com meu amigo Alfredo sobre minha admiração pela valentia do senhor Tomazinho, ele me interpelou dizendo que, antes dele, houve outro pescador, também velhinho, mais valente ainda. O seu Manduca. E passou a me contar uma história fantástica que envolveu esse valente pescador e o seu Antônio Domingos, avô do Célio, o domador de ondas, sobre quem já escrevi aqui neste espaço de lembranças.
Estavam os dois personagens citados pescando mais para o norte, nas ilhas Tamborete, de onde traziam muito peixe já meio processado, pronto para ser armazenado até, se fosse preciso, quando perceberam a aproximação de um rebojo, vindo do sul. Diante do perigo iminente, recolheram rapidamente seus petrechos e rumaram sem demora de volta para casa. Mas estavam longe e a tempestade formada por aquele vento intenso os surpreendeu quando passavam pela boca da barra do rio Itapocu. Seu Manduca não viu outra alternativa. Rumou a embarcação para entrar rio adentro e alcançar as águas mais tranquilas da lagoa formada por aquele estuário. As ondas que se formavam no mar naquele momento eram apavorantes e o esforço para se manter sem naufragar era intenso. O velho pescador no leme lutando pela sobrevivência de ambos só gritava para seu companheiro Antônio. “Rema e não olha para trás! ” Tente o leitor imaginar o pavor que o tomaria se o fizesse. Vagas enormes a persegui-los muito de perto. Felizmente conseguiram vencer essa força da natureza. Saíram ilesos da aventura contra o rebojo.
Cabe aqui a informação de que, nesse tempo, 90% dos pescadores não sabia nadar. Entravam no mar movidos pela necessidade de sobrevivência e valentia pura.

  

2 comentários:

  1. Comecei a ler e me veio à lembrança "O Velho e o Mar". Não precisei ir muito além para chegar à citação. Quantas histórias se foram com estes velhos pescadores. Que bom que você está resgatando algumas delas...

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    1. E pretendo, se assim me for permitido, escrever ainda muitas histórias sobre esses valorosos homens do mar. Muito obrigada pelas palavras, minha querida!!

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