Essa bucólica
historinha é baseada em fatos reais. Ela me foi contada por alguém, cuja
identidade a minha memória teima em esconder. Vou vesti-la com trajes
românticos, mas todos sabemos que a realidade nem sempre corresponde aos nossos
sonhos e fantasias.
Eles formavam o casal mais improvável da pacata cidade. Ele,
membro de aristocrática família recém vinda de Portugal, cujo patriarca ocupava
cargo importante na diplomacia política da época. Um jovem que, como em
qualquer família burguesa, vinha sendo educado para seguir uma carreira
brilhante, fazer um “bom” casamento e ter uma vida normal, de acordo com os
costumes e padrões da alta sociedade local. Aliás, ainda é assim em qualquer
sociedade atual. Acontece que, ter uma vida normal, não estava nos planos do
nosso personagem. Ele era considerado a alma livre da família.
Ela, uma caiçara, com ascendência muito próxima dos
indígenas que por ali viviam desde tempos imemoriais, os donos da terra. Dela,
pouco ou nada se sabe. Infelizmente. A única informação que se tem dela: era
uma índia! Muito embora hoje saibamos tratar-se de um ser humano ímpar, dona de
um coração capaz de grandes obras, de belíssimas atitudes.
E o jovem burguês, em busca de aventuras, conheceu a bela
caiçara e os dois envolveram-se em um romance inconsequente. Apaixonaram-se e
já faziam planos de uma vida a dois, logo desencorajados pela família dele.
Toda a luta foi vã. Não o levaram a sério.
Não demorou muito para que a bela caiçara anunciasse a vinda
de um herdeiro. E agora? O que fazer? Sem nenhum apoio da família, resolveram
embarcar para o sul, onde tinham conhecidos que moravam em Joinville, para
tentar iniciar a vida a dois, quase três.
Assim planejaram, assim fizeram. O casal embarcou em um
barco a vapor e rumou para onde acreditavam encontrar seu futuro e sua
felicidade. A cidade de Joinville, em Santa Catarina.
Chegaram ao Porto de São Francisco do Sul e entraram, pela
Baía da Babitonga, na Lagoa de Saguassu. Desta rumaram, pelo rio Cachoeira, até
o porto do Bucarein. Estavam em Joinville. Cabe aqui salientar o desconforto
sofrido por nossa personagem nessa viagem tão difícil, em plena primeira
gestação, inexperiente e sem orientação
Afinal, foram bem recebidos pelos amigos, moradores do local
e acabaram ficando na cidade por algum tempo. Cerca de três anos. Vivia-se,
nesse tempo, o ano de 1917. O jovem burguês obrigou-se a arranjar um trabalho,
pois a chegada de seu primogênito era iminente. Exerceu o ofício de padeiro. Em
outubro nasce o bebê. Uma menina! Não demorou quase nada, talvez uns dois anos
e outra menina veio a nascer.
A família aumentando, junto com ela os compromissos e a
responsabilidade. O casal decidiu então voltar para a cidade de onde haviam
saído anos antes. Ali estavam suas raízes, quem sabe apareceriam melhores
oportunidades para criar suas filhas.
Ali nasceram mais uma menina, a terceira filha, e o único
filho homem do casal. Era o amor multiplicado por quatro. Família grande,
resolveram tentar a sorte na capital. Mudaram-se todos para São Paulo. Aí
nasceu a quarta filha. O improvável casal e seus cinco filhos.
A bela caiçara cuidou e amou seu jovem burguês até que a
morte o levou. Um amor puro e forte os uniu a ponto de vencerem a barreira do
preconceito logo no início de sua união, assim como todos os outros obstáculos
que a vida lhes apresentou.
Havia entre eles um amor tão intenso que, passados apenas trinta dias da partida de seu escolhido, ela o acompanhou para, na eternidade, darem continuidade àquela história bucólica do amor entre a bela caiçara e o jovem burguês. O Senhor os abençoa e os ampara a eles e aos filhos, agora todos juntos no ambiente indescritível onde, por certo, devem estar.