Em todos os lugares, sejam cidades grandes, cidades
pequenas, vilas ou aldeias há sempre aquelas figuras folclóricas que se
destacam por alguma característica exuberante. Conheço algumas de diversos
lugares.
Em Joinville, há tempos, andava pela cidade, com a perna
enrolada em faixas e ataduras, a simpática senhora que conversava com todos e a
todos divertia, a Rosa do pé inchado. Era, por todos, assim conhecida.
Em Curitiba, há um homem de meia idade que se compraz em
andar por toda a cidade, de bicicleta, usando uma sunga e o corpo coberto de
óleo. Chamam-no Oil Man. Não tenho ideia do que o leva a agir assim. Todos o
conhecem. Também em Curitiba, nas décadas de 1960 e 1970, vagava pelas ruas, na
região da famosa Boca Maldita, a Gilda, um travesti alegre, estimado e
respeitado por todos e era a diversão daqueles que por ali passavam.
Se formos pesquisar, encontraremos diversos desses personagens folclóricos em todos os lugares. Barra Velha não é diferente. Contarei aqui a história do senhor Antônio, um personagem da minha infância nessa localidade. Contava meu pai, que conviveu com ele na juventude de ambos, eram amigos até, que desde a juventude tinha uma personalidade, diríamos, rebelde. Tinha um espírito jocoso, dado a atitudes pouco convencionais. Serviu o exército no litoral de Santa Catarina, mas tornou-se um desertor por arriar a Bandeira do Brasil do mastro da unidade militar em que estava e, em seu lugar, hastear um saco de estopa.
De outra feita, já morando em Barra Velha, quando trabalhava em
uma padaria, tirou toda a roupa, passou uma substância oleosa por todo
o corpo e, por cima passou cinza preta do forno da padaria. Assim caracterizado,
todo pintado de preto e brilhante, foi até a casa da namorada, onde a família
toda reunida na sala, rezava o terço com muita fé, em devoção à Maria de
Nazaré. Qual não foi o assombro de todos os presentes quando irrompe pela
janela aquela figura sinistra a pular por cima da mesa e por toda a casa. Imediatamente saiu pela
porta do mesmo jeito que entrou. Aos pulos e berros. São essas algumas
peripécias de seu Antônio na sua juventude.
O tempo passou e nosso personagem foi acometido de uma paralisia
facial que o deixou com sequelas. A boca entortou e para tentar disfarçar o
defeito deixou crescer a barba. Também passou a ter muita dificuldade de se
fazer entender. Meu pai, que permaneceu um amigo fiel, o entendia e, sempre que
precisava se comunicar com alguém, por algum motivo, vinha até minha casa para
recorrer ao amigo. Nós, as crianças do lugar, tínhamos muito medo dele. Diziam
que ele virava Lobisomem nas noites de lua cheia. E ele alimentava essa ideia
para aterrorizar a criançada. Fico trêmula só de lembrar. Soube por uma vizinha
dele que, depois do seu falecimento, foram encontrados livros de esoterismo
e cultos nada recomendados para seres da luz, em sua casa. Também tomei
conhecimento da existência de uma filha dele. Nunca soube que tivesse família.
Em uma tarde de julho, fria e chuvosa, dessas que formam um
cenário perfeito para uma história de terror, eu estava sozinha na varanda,
desalentada com a impossibilidade de fazer qualquer coisa, inclusive ir a algum
lugar. Podia inclusive, dali, ouvir a fúria do mar com as ondas batendo com estrondo na
areia, uma atrás da outra. A cada estrondo, tinha-se a impresso de que as ondas
estavam mais perto. Afinal, uma tarde muito sinistra. Num certo momento, ouço
um pocotó, pocotó, pocotó vindo da esquerda, descendo a colina onde ficava a
pequena igreja, com portas abertas para o mar. Era uma rua estreita, de terra,
muito úmida por conta do tempo chuvoso, e aquele cavalo vindo em direção a
nossa casa. Tentem visualizar nas suas mentes o que vou lhes descrever neste
momento. O cavaleiro. Tinha barba grisalha, a cabeça coberta por um chapéu de
feltro enterrado na cabeça, um cordão que servia para fixá-lo lhe ia
pendurado no peito. A copa do chapéu era alta e arredondada com abas um pouco
mais largas do que o normal para um chapéu normal de um cavaleiro normal. Nunca
o vi sem aquele chapéu. Nem sei se tinha cabelos. Trazia sobre si uma capa de
lã rústica bem grossa de um cinza meio escuro. Era uma pelerine, pois não tinha
mangas e era largo a ponto de cobrir cavalo e cavaleiro. Tinha apenas uma gola com
três ou quatro botões na frente e uma abertura para passar as mãos. Era o seu
Antônio!
Quando, naquele cenário de horror, visualizei aquela criatura
bizarra, para dizer o mínimo, se aproximando, fiquei petrificada. Queria ter
visto minha expressão facial de puro pavor naquele momento. Eu ali parada, sem
conseguir me mover e o cavalo pocotó, pocotó na minha direção.
Ao passar pela frente da minha casa, seu Antônio puxou a rédea
esquerda e o cavalo prontamente obedeceu parando com a cabeça por cima do
portão, dentro do meu quintal. O cavaleiro apeou, veio até mim, com aquela capa
batendo-lhe os pés. Pensei morrer. Ele me olhou fixo, provavelmente, no íntimo,
a se divertir com meu escancarado pavor, e disse: grjljaolpwnh. Foi somente
então que despertei do estado de pânico em que me encontrava e corri para
dentro de casa, gritando:
Paaaaaiiii!