Eles ainda estavam por aqui, neste plano, quando tive a
feliz ideia e o privilégio de fazer uma visita aos amigos, seu Servinato e dona
Mariquinha. Ele, pescador. Ela, dona de
casa. Sobre ele tenho algumas histórias registradas envolvendo aventuras no
mar.
Na ocasião da agradável visita, acontecida já há alguns
anos, dona Mariquinha contou sua aventura. E não foi no mar. Seus pés estavam bem
fincados no chão.
Antes quero mencionar detalhes que envolvem essa família e estão
bem presentes em minha memória. Nossas famílias eram bem próximas. Meus pais
batizaram uma das filhas do casal, se não me engano a Dulce Helena, portanto
eram compadres. As filhas, Zeni e Zeli, especialmente, eram nossas amigas,
tanto na escola, como nas brincadeiras diárias. A prole era bem grande. As
citadas acima eram as mais velhas. Depois vieram muitos mais que eu não saberia
enumerar. Quando fui visitá-los eles moravam com um dos filhos, o Silvio.
De vez em quando, à tarde, íamos à casa deles chamar as
meninas para brincar. Era impossível não observar a limpeza do terreiro, era
como chamavam o quintal da casa deles. Uma areia fina e branca, cuidadosamente
rastelada para que ali não ficasse uma única folhinha. O rastelo deixava
desenhos no chão. Era muito lindo. Nessas ocasiões, o pai dormia a fim de repor
as energias para enfrentar o mar durante boa parte da noite seguinte, a mãe
remendava as redes e tarrafas e as crianças arrumavam os anzóis com as linhas
no espinhel. Somente depois dessa tarefa concluída é que as meninas podiam sair
para brincar.
Tarefa cumprida, saíamos pelo mundo. Era nosso quintal. As brincadeiras
sazonais variavam entre pular corda com o baraço da vegetação de restinga da
praia, o que nos deixava com as palmas das mãos pretas e grudentas por causa da
resina que a “corda” soltava. “Sal, pimenta, fogo” e já nos preparávamos para o
tombo inevitável na areia. Brincadeiras
de bonecas, casinha, cozinhada, ainda lembro do sabor inigualável da comida de
verdade feita nessas ocasiões, com destaque para cabeça de tainha no feijão, no
final do outono, época em que se pescava tal peixe, uma iguaria que nunca mais
experimentei. E tantas outras brincadeiras maravilhosas, tantas que merecerão
um texto só para elas.
Voltemos para a história da dona Mariquinha. Ela me contou que houve um tempo, muito tempo aliás, em que ela começou a sentir fortes dores
no baixo ventre. Os dias se passaram, ela tomou chá de ervas que lhe ensinaram
e nada de passar a dor. Resolveu então procurar o único recurso de assistência
médica que havia no lugar. Um posto de saúde que ficava sob a responsabilidade
de dona Lily e dona Erna. Estas levavam muito a sério seu trabalho e recebiam
com carinho e atenção todos que precisavam de cuidados médicos e de enfermagem.
O posto de saúde era visitado mensalmente por um médico famoso de Curitiba, de
quem vou omitir o nome. Li o nome dele entre os fundadores de importante
hospital dessa cidade tempos atrás. Dona Mariquinha marcou uma consulta e foi
pedir socorro ao profissional para se livrar de suas dores abdominais.
Devido aos parcos recursos médicos e,
principalmente, aos hábitos alimentares e de higiene inadequados, a população
do lugar era, frequentemente, acometida de verminose. O doutor, após minucioso
exame, não teve dificuldade em dar o diagnóstico e receitou seis “bagas
dextamanho”, disse-me dona Mariquinha, apontando mais da metade do seu dedo
mínimo. Uma dose generosa de vermífugo. Continuou o relato dizendo que foi para
casa contente por visualizar a cura próxima. E, naquela noite, tomou os seis
comprimidos de uma vez.
Qual não foi sua decepção ao sentir que as dores ficaram
mais intensas. Muito mais! E, naquela
madrugada, a dor cessou somente quando ela pariu o Antônio, a lombriga que
tanto lhe causava sofrimento. Um menino tão franzino e pequeno que todos
duvidaram que sobreviveria. Minha mãe foi visitar a comadre. Minha irmã mais
velha, que a acompanhou, relatou depois, que a criança tinha o tamanho de um
garfo.
Contrariando a maioria dos que o viram recém-nascido,
Antônio cresceu, casou-se e teve filhos. Até virou um grande contador de
histórias.
A história é trágica, mas até dona Mariquinha deu boas risadas ao contá-la.