Bastava atravessar a ruazinha de pedras, - aquela que eu
imaginava ser a minha e que eu mandaria ladrilhar com pedrinhas de brilhante - pular
um valo, não muito estreito devido à erosão, e já estávamos na propriedade da
minha avó Antonica. Antes de chegar a casa dela, havia, à esquerda, a passagem
obrigatória pelo barracão enorme o qual, em outros tempos, servia de abrigo
para os cavalos, meio de transporte da família na época. Grandes toras de madeira a
sustentar o telhado coberto por telhões antigos, muito antigos. Mas o que
atraía a nossa atenção eram os ovinhos de lagartixa, pequenos, bem redondos e
muito brancos, que convidavam a brincar, porém, apesar da tentação, tínhamos
que deixar exatamente no lugar onde estavam para que mais lagartixinhas
pudessem nascer.
Tudo visto revisto, explorado e examinado encaminhávamo-nos,
então, à casa da avó já vazia, pois ela, com uma idade bastante avançada e uma
perna fraturada, morava em nossa casa. A dela era uma casinha branca, pequena e
quadrada com janelas em um tom de marrom, situada bem na esquina com a rua da
lagoa. Uma grande área de quintal que ocupava a quadra inteira. Aqueles cômodos
abandonados contavam a história tão feliz quanto triste daquela família
pioneira.
Nesse tempo eu tinha apenas
quatro anos, mas tenho nitidamente registrado na memória a cama de ferro pintada
de azul, a avozinha sentada, recostada em travesseiros a contar histórias e
mais histórias. Nós, netinhos, aprendemos o alfabeto com ela, com direito ao
ipicilone e ao dublevê. Era a veia da educadora pulsando ainda em seu corpo já tão
debilitado.
Minha avó foi uma das primeiras professoras daquela
comunidade, por isso mereceu a homenagem de ter uma escola do município com seu
nome. Mais tarde, uma de suas filhas lhe seguiu o exemplo e passou a lecionar
na comunidade também. Meu pai contava com orgulho que, ainda pequeno, via sua
mãe sair para lecionar nos arredores da sede do município montada de lado em
seu cavalo e sua saia ampla e rodada a cobrir parte da montaria. Ele contava e
eu fechava os olhos para visualizar essa imagem tão linda.
Essa veia do magistério pulsa em muitos de seus
descendentes. Há muitos mestres educadores na família atualmente. Eu mesma lhe
segui os passos, militei na profissão por anos a fio, sempre atuando com paixão
pelo que fazia, dedicando o melhor de mim ao meu trabalho.
A escolinha que levava o nome de minha dedicada avó e
situava-se entre as duas entradas para a praia do Grant, na Itajuba, hoje não
existe mais. O aumento da demanda de alunos na localidade exigiu
que outra escola fosse construída, maior e mais bem equipada. O nome de minha
avó, Antônia Higina da Graça Moura, foi substituído pelo nome do pai do
prefeito da época.
Não me cabe aqui questionar os critérios que levaram os
políticos de então a proceder à mudança dos nomes da escola, mas me reservo o
direito de achar que tal atitude configurou-se em uma injustiça sem tamanho.
Devo me conformar. Nós seres humanos somos imperfeitos e
todos temos nossas mazelas. Deus abençoe a minha avó, ao pai daquele prefeito, a
ele próprio e a todos nós.
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