Era da vontade de minha mãe que minha irmã e eu brincássemos
com meu irmão um pouco mais velho do que nós. Éramos bem pequenos e dormíamos
no mesmo quarto, os três. Tínhamos um gatinho malhado de branco e preto, cujo
nome já me foge à memória, que sempre estava conosco e era muito amado. Nossa mãe
só não permitia que ele dormisse no quarto, preocupada com a bronquite dos
filhinhos, minha e do meu irmão. O que fazíamos então para ter a companhia de
nosso bichinho de tanta estimação, nem que fosse apenas por algumas horas? Ao acordar
de manhã bem cedinho, com todo cuidado para não fazer barulho, amarrávamos
nossas calças de pijamas pelas pernas e colocávamos aquela tereza para fora da janela. O gatinho,
esperto, não esperava que o convidássemos. Agarrava-se na corda improvisada e o
içávamos para dentro, onde ficava conosco, bem quentinho, até a hora de
levantarmos. Imagino que nossa mãe fazia vistas grossas para essa manobra
radical que, para nós, era pura adrenalina.
Tenho lembranças de que ela comprava carrinhos, os nossos “autinhos”
para brincarmos brincadeiras de menino com nosso irmão. E lá íamos os três para
debaixo da casa, a fim de traçar o nosso sistema viário, ao custo de muitas e
doloridas cabeçadas nas vigas do assoalho. As ruazinhas traçadas na areia
ligavam o nosso restrito mundo conhecido, o nosso universo. Começava em Itajaí,
passava por Barra Velha, daí para Joinville, onde moravam alguns parentes e
acabava em São Paulo, terra dos parentes da nossa mãe. Salientando que sabíamos
da existência de Itajaí porque havia uma linha diária de ônibus que passava de
Itajaí para Joinville pela manhã e retornava no final da tarde e passava em
frente a nossa casa. A garagem de todos os “autinhos” era embaixo das nossas
camas. Tínhamos tanto carros de passeio, como também caminhonetes e caminhões. Na
época da Páscoa estes amanheciam lotados de ovinhos de chocolate. Esse coelhinho!...
cada vez mais me convenço de que tivemos um anjo que nos acompanhava em todos
os momentos e sabia de todos os nossos movimentos. Mãezinha... quanta
saudade... com ela aprendi tanto, inclusive e principalmente a fazer “limonada”
com os “limões! Que a vida nos dá. E nisso ela era especialista.
Quando foram a São Paulo, minha irmã Ira, meu irmão Marinho
e minha mãe (eu fiquei) para que meu irmão fizesse uma cirurgia, trouxeram de
presente para ele uma bicicleta infantil vermelha, linda e atraente. O problema
é que nós duas não podíamos nem pensar em chegar perto dela. A bicicleta da Tute,
nossa irmã mais velha, era totalmente proibitiva para nós. O que fazer? Aprender
a andar de bicicleta às escondidas, enquanto ela estivesse no trabalho. Sem outra
alternativa, foi o que fizemos. Numa dessas andanças furtivas, íamos, a Ira e
eu, uma em cada pedal, ruazinha a fora. Sobe, desce, sobe, desce... até que, ao
virar uma curva para o lado onde eu estava, o tombo inevitável aconteceu. Lá fui
eu parar dentro daquele valo, felizmente sem água, a bicicleta por cima de mim
e a Ira por cima da bicicleta. Ai que dor! Chegando a casa, nem pude me queixar
para não denunciar o delito do empréstimo compulsório daquela bicicleta horrível!
Passado o susto e as dores, daí a alguns dias já estávamos nos divertindo com
ela novamente. Isso quando não
almoçávamos bem rápido e, enquanto meu irmão terminava seu almoço com calma,
rapidamente nós duas nos apossávamos da bicicletinha vermelha, tão gostosa de
andar e nos divertíamos nem que fosse por pouquíssimos minutos.
Não posso deixar de agradecer a meus pais que sempre se
preocuparam com nossa cultura, mesmo naquele lugar delicioso, mas tão sem
recursos. Meu pai, toda vez que voltava da cidade trazia livros e revistas para
nós. Assinava Nosso Amiguinho, Diversões
Escolares e também trazia uma fartura de revistas para entretenimento de
todos.
Hoje meu olhar alcança longe, os muitos livros que li
deram-me a dimensão do mundo, no entanto percebo que não preciso muito mais do
que aquele pequeno grande universo que desenhávamos embaixo da casa.
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