segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Pequeno grande universo





Era da vontade de minha mãe que minha irmã e eu brincássemos com meu irmão um pouco mais velho do que nós. Éramos bem pequenos e dormíamos no mesmo quarto, os três. Tínhamos um gatinho malhado de branco e preto, cujo nome já me foge à memória, que sempre estava conosco e era muito amado. Nossa mãe só não permitia que ele dormisse no quarto, preocupada com a bronquite dos filhinhos, minha e do meu irmão. O que fazíamos então para ter a companhia de nosso bichinho de tanta estimação, nem que fosse apenas por algumas horas? Ao acordar de manhã bem cedinho, com todo cuidado para não fazer barulho, amarrávamos nossas calças de pijamas pelas pernas e colocávamos aquela tereza para fora da janela. O gatinho, esperto, não esperava que o convidássemos. Agarrava-se na corda improvisada e o içávamos para dentro, onde ficava conosco, bem quentinho, até a hora de levantarmos. Imagino que nossa mãe fazia vistas grossas para essa manobra radical que, para nós, era pura adrenalina.
Tenho lembranças de que ela comprava carrinhos, os nossos “autinhos” para brincarmos brincadeiras de menino com nosso irmão. E lá íamos os três para debaixo da casa, a fim de traçar o nosso sistema viário, ao custo de muitas e doloridas cabeçadas nas vigas do assoalho. As ruazinhas traçadas na areia ligavam o nosso restrito mundo conhecido, o nosso universo. Começava em Itajaí, passava por Barra Velha, daí para Joinville, onde moravam alguns parentes e acabava em São Paulo, terra dos parentes da nossa mãe. Salientando que sabíamos da existência de Itajaí porque havia uma linha diária de ônibus que passava de Itajaí para Joinville pela manhã e retornava no final da tarde e passava em frente a nossa casa. A garagem de todos os “autinhos” era embaixo das nossas camas. Tínhamos tanto carros de passeio, como também caminhonetes e caminhões. Na época da Páscoa estes amanheciam lotados de ovinhos de chocolate. Esse coelhinho!... cada vez mais me convenço de que tivemos um anjo que nos acompanhava em todos os momentos e sabia de todos os nossos movimentos. Mãezinha... quanta saudade... com ela aprendi tanto, inclusive e principalmente a fazer “limonada” com os “limões! Que a vida nos dá. E nisso ela era especialista.
Quando foram a São Paulo, minha irmã Ira, meu irmão Marinho e minha mãe (eu fiquei) para que meu irmão fizesse uma cirurgia, trouxeram de presente para ele uma bicicleta infantil vermelha, linda e atraente. O problema é que nós duas não podíamos nem pensar em chegar perto dela. A bicicleta da Tute, nossa irmã mais velha, era totalmente proibitiva para nós. O que fazer? Aprender a andar de bicicleta às escondidas, enquanto ela estivesse no trabalho. Sem outra alternativa, foi o que fizemos. Numa dessas andanças furtivas, íamos, a Ira e eu, uma em cada pedal, ruazinha a fora. Sobe, desce, sobe, desce... até que, ao virar uma curva para o lado onde eu estava, o tombo inevitável aconteceu. Lá fui eu parar dentro daquele valo, felizmente sem água, a bicicleta por cima de mim e a Ira por cima da bicicleta. Ai que dor! Chegando a casa, nem pude me queixar para não denunciar o delito do empréstimo compulsório daquela bicicleta horrível! Passado o susto e as dores, daí a alguns dias já estávamos nos divertindo com ela novamente.  Isso quando não almoçávamos bem rápido e, enquanto meu irmão terminava seu almoço com calma, rapidamente nós duas nos apossávamos da bicicletinha vermelha, tão gostosa de andar e nos divertíamos nem que fosse por pouquíssimos minutos.
Não posso deixar de agradecer a meus pais que sempre se preocuparam com nossa cultura, mesmo naquele lugar delicioso, mas tão sem recursos. Meu pai, toda vez que voltava da cidade trazia livros e revistas para nós. Assinava Nosso Amiguinho, Diversões Escolares e também trazia uma fartura de revistas para entretenimento de todos.
Hoje meu olhar alcança longe, os muitos livros que li deram-me a dimensão do mundo, no entanto percebo que não preciso muito mais do que aquele pequeno grande universo que desenhávamos embaixo da casa.

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