Morava em Barra Velha, Santa Catarina, nas décadas de 1940,
1950, um senhor muito querido por todos,
bom papo, divertido, principalmente por contar histórias saídas de sua
imaginação fértil, sem nenhum compromisso com a verdade. Seu nome, Manuel de
Moura, mas todos o conheciam por Mané Carrinho. Logo que chegava a qualquer
ambiente, imediatamente era rodeado pelos amigos ávidos por ouvir a sua última
história.
Vivia sempre alegre, sorridente embora a vida não lhe sorrisse com
fartura de bens materiais. O pouco que possuía era-lhe suficiente para viver
feliz e fazer feliz, com suas histórias, quem o conhecia. Morava numa vila de
pescadores entre o mar e a lagoa, logo depois do areão que foi destruído para que ali construíssem um Iate Clube. Sacrilégio!
Todo final de tarde, ele e toda a comunidade masculina local
reunia-se na garapeira, de propriedade do Sr Ormélio Gonçalves, para atualizar
os assuntos de política e outros. Ali se resolviam todos os problemas da
cidade, estado, ou nação. Ali também se passava em revista a vida dos moradores
do local. Ninguém escapava. Os clubes de futebol tinham ali os seus times
festejados ou execrados, reforços contratados, técnicos demitidos, ou
admitidos. O tenente Rodrigues, delegado de polícia da época no local, batizou, muito apropriadamente, a garapeira do seu Ormélio de
Café Veneno.
Essa garapeira ficava situada na beira da lagoa, bem na sua
extremidade, sendo que os fundos tinham as estacas de sustentação já submersas. A população de siris e
caranguejos naquele local era grande, atraídos pelos dejetos da cana que eram
ali lançados. Provavelmente todos gordinhos e diabéticos. Mas a parada dos veranistas e também a nossa, os nativos, nesse
local depois do banho de mar era obrigatória. O caldo de cana delicioso, às
vezes com limão, dependendo da vontade do consumidor, impedia que se
passasse por ali sem provar, pelo menos um copo. Essa é uma lembrança boa.
E seguia o Mané Carrinho a contar casos e arrancar risadas
dos presentes todo final de tarde. Eu não me fazia presente nessas ocasiões,
mas ouvia alguém contar as histórias no dia seguinte. A presença de mulheres,
muito menos de menininhas era totalmente proibida naquele horário no Café
Veneno, ou seja, na garapeira.
E ele contou que um dia, chegou a casa, ao anoitecer, com
muita vontade de ouvir boa música. Pegou na estante um disco em 78 rotações do
seu ídolo, Orlando Silva, e colocou-o na vitrola. Esperou alguns segundos que o
concerto começasse. Só então lembrou que naquela comunidade não havia energia
elétrica ainda. Ficou muito revoltado, jogou o disco pela janela e foi dormir
lamentando por não ter podido ouvir seu ídolo.
Mas a história não termina aí. Estava o Mané Carrinho dormindo tranquilamente quando, alta
madrugada, veio a surpresa. Orlando Silva cantava a plenos pulmões lá fora. O
som vinha dos lados da laranjeira. E não
era sonho, não. Levantou-se de um salto e foi verificar o que estava ocorrendo.
Contou ele que o disco, ao ser jogado por ele pela janela, foi parar nos galhos
de uma laranjeira do seu quintal. Veio a brisa do mar e fez com que o mesmo
girasse. Encostado em um espinho da árvore começou a tocar com um som da mais
alta qualidade para deleite do Mané.
Esse foi um causo contado pelo folclórico Mané Carrinho. Não
é de se admirar que todos gostassem tanto de ficar em sua companhia ouvindo
suas histórias. A estante, o disco, a vitrola, são frutos da sua imaginação
imensamente alegre e feliz.
Pretendo contar ainda outras histórias desse homem tão querido na comunidade
e valorizar um tempo em que, embora sem recursos, vivia-se feliz, alegre e
contente por lá.
Importante registrar esses fatos que compõem a história de
um lugar e de um povo. Tenho muito amor e carinho por meu torrão natal.
Orgulho-me de ter nascido nesse pedacinho de Brasil, Barra Velha.
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