domingo, 1 de novembro de 2015

Seria o Saci, ou a Velha Cabeluda?



Quando eu era pequena, na década de 1950, meu pai adquiriu uma carroça e duas éguas bem iguaizinhas, para nossos deslocamentos pelos arredores de onde morávamos, a praia de Barra Velha, em Santa Catarina.
Quando digo que eram iguais, não me expresso bem. Tinham a mesma cor, mas uma era ligeiramente maior do que a outra, além do que era muito mal humorada, mordia, dava coices, não se deixava montar, aceitava apenas os agrados e a montaria de minha irmã, a Ira.
Eu, claro, montava sempre a menor e saíamos pelas ruas, montadas em pelo, somente com o barbicacho e as crinas para nos segurar. Isso sim foi uma infância feliz! Minha irmã e eu tínhamos duas amigas gêmeas e nós quatro nunca nos separávamos. Grandes companheiras de aventura! A Maninha Grande, Marilda, montava a égua grande com minha irmã e a Maninha Pequena, Marília, e eu íamos passear montadas na égua pequena em segurança.
Lembro-me de uma ocasião em que, em pleno passeio, fomos surpreendidas por um temporal com raios e fortes trovões. As éguas se assustaram e começaram a galopar. A maior disparou com minha irmã e a Maninha Grande montadas nela, mas como minha irmã é uma santinha, acalmou o animal, por consequência a outra égua acalmou-se também. Eu já estava chorando nesse momento. Foi tenso, muito tenso!
Às vezes meu pai pedia para levarmos as duas éguas até um local denominado Coreia, naquele tempo, que atualmente é a chamada praia da Península, entre o mar e a lagoa, com o objetivo de os animais pastarem um pouco de capim salgado, pois isso lhes faria bem. Assim fazíamos regularmente até que um dia, enquanto íamos a pé até onde estavam os animais, uma maré de lua repentinamente alagou parte do caminho por onde retornaríamos. Passamos por dentro do caminho alagado montadas, com água batendo na barriga das éguas. Outro dos momentos inesquecíveis da minha infância.
Em outra ocasião, meu pai atrelou as éguas à carroça para levarmos uma carga de telhas até o  Sertãozinho, um lugarejo próximo de Barra Velha. Colocou capim seco do quintal recém carpido entre as telhas para que não quebrassem. Na volta, a carroça veio vazia, meu pai comandando as rédeas e minha mãe ao seu lado, sentados no banco. Meus dois irmãos e eu lá atrás, no meio do capim seco misturado com terra preta. Uma chuva torrencial alcançou-nos no caminho. Ficamos todos ensopados, minha mãe, meu pai, meus irmãos e eu. Nós três, sentados ali naquela carroça toda cheia de sujeira, ficamos sujos como porquinhos. Eu olhava aquelas casas de madeira muito simples na beira da estrada com crianças na janela, confortavelmente secas e aquecidas, olhando a chuva desejei muito estar morando em uma delas. Ao chegar a casa, um banho quente, um pijaminha de pelúcia bem quentinho com toquinha igual, (meu irmão, o Marinho, ficava muito engraçadinho com aquela toca) uma sopa igualmente quente e cama, evitou que pegássemos um resfriado por conta daquela aventura. Cuidados de uma mãe fada.
Não tínhamos espaço em nosso quintal para que nossas éguas pernoitassem ali. Meu pai pedia a gentileza para o seu Moacir Borba para que elas pudessem pernoitar em seu pasto, bem perto de casa. Todas as noites, nossa tarefa era levá-las até lá para o pernoite. Deixa estar que era história corrente entre o povo do meu lugar, que havia uma bruxa, ou Saci que trançava as crinas dos animais durante a noite. Eu não acreditava, pois nunca havia acontecido algo semelhante com nossos animais, até a manhã em que minha irmã e eu fomos buscar nossos animais, minha irmã deu aquele assobio característico e elas correram para a porteira. Pasmem! Eu vi as crinas das duas éguas perfeitamente trançadas. Eram tranças finíssimas feitas por alguém que teve tempo e habilidade para fazê-las.
Seria obra do Saci, ou da Velha Cabeluda? HAHAHAHA... Mistério!...

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