domingo, 8 de março de 2020

Um domador de ondas




Penso que as pessoas que costumam ler meus escritos já perceberam minha predileção por temas que envolvem minha terra que também é a terra de parte dos meus ancestrais. Mais especificamente, gosto de enaltecer os feitos dos valorosos pescadores artesanais desta praia maravilhosa.
Com a devida permissão do próprio personagem da história de hoje, um descendente de família muito conhecida da minha, vou discorrer sobre o pescador Célio de Oliveira. Um improvável domador de ondas.
Digo improvável porque, em um determinado momento de sua vida, precisou lutar bravamente com a morte. E venceu!
Um câncer violento e agressivo consumiu-lhe as entranhas, obrigando a que os médicos precisassem lhe retirar praticamente todas as vísceras. Estômago, vesícula, baço e boa parte do intestino foram extirpados para lhe permitir a sobrevida. Chegou a pesar menos de 50 kg no período de sua recuperação. Mas venceu. E voltou à vida mais forte e valente do que nunca.
Lembro de tê-lo visto no porto das canoas há muito tempo. Usava um gorro de lã com as pontas enroladas para cima. Para mim, parecia saído de um livro do Hemingway.
Desde que voltei para morar definitivamente aqui, a base da minha alimentação passou a ser peixe pescado pelo Célio. Tenho uma grande admiração pela pessoa desse rapaz antes de saber de sua grave enfermidade porque, mesmo a despeito de todas as adversidades, sai todas as noites para pescar sozinho e, ao voltar para a praia, fica ali vendendo, ele mesmo, o produto de uma noite de batalha com o mar imenso. Não entrega seu pescado para atravessadores, que sequer molham os pés na água do mar, comercializarem. Desse modo, tenho peixe fresquinho sempre que desejo. Minha gratidão ao Célio por isso.
Por duas vezes já, e espero que sejam muitas mais, tive a ventura e o privilégio de vê-lo chegar ao porto das canoas.
Foram dias de mar agitado e ele chegava um pouco mais tarde, para minha sorte. Grandes ondas o esperavam na chegada. E lá vem ele, com sua canoa azul de nome Yoko, sozinho, fazendo das cordas do leme verdadeiras rédeas, a domar aquelas vagas ameaçadoras. Manobrava sua canoa como se fora um corcel a ir e voltar, sem medo de sucumbir.
Ao final, desconsiderando qualquer perigo, o grande vencedor do duelo permite que a onda vencida o traga suavemente para a margem.
Se não fosse por outras incontáveis vantagens de morar neste lugar, apenas o fato de poder assistir a cenas como essas já me teriam feito valer a pena viver neste pequeno pedaço do paraíso.




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