domingo, 24 de maio de 2020

Leitura - uma preciosa ferramenta




Era apenas o início de 1950 quando vim ao mundo, pelas mãos de dona Maria Bastião, a bondosa parteira negra, cuja marcante característica era o pano branco, branquíssimo, amarrado à cabeça, para conter os cabelos rebeldes, e também a maestria com que exercia seu importante ofício na pequena aldeia de pescadores, localizada no litoral norte de Santa Catarina. Barra Velha.
Um universo deveras restrito, um canto do mundo isolado de tudo. Era rota de apenas uma linha de ônibus, que passava pela manhã da cidade de Itajaí, ao sul, com destino a cidade de Joinville, ao norte, de onde retornava no meio da tarde. Era a única forma de comunicação com o mundo. Lembrar dessa realidade, hoje, me dá a real dimensão de todo o progresso e avanço tecnológico que me foi permitido acompanhar desde então. Esse preâmbulo serve para introduzir e dar mais força para a história que vou escrever.
Meus irmãos mais velhos, sou a caçula, já frequentavam a escola, liam e sabiam muito mais coisas do que eu. Não via a hora de, pelo menos, saber ler também. Era tempo de “decoreba” e meus irmãos estudavam alto e bem cantado. Consequência disso, quando cheguei à escola, já havia decorado a tabuada, os estados e capitais do Brasil etc.
Enfim, dona Aventina Vailatti dos Passos, minha professora do primeiro ano escolar, no Grupo Escolar Pedro Paulo Philipe, ensinou-me a ler. E, daí por diante, não parei mais. Hoje, passadas mais de seis décadas, ainda sou uma ledora compulsiva e voraz. Esse grupo escolar possuía apenas duas salas de aula. Prova inconteste de que ninguém precisa de grandes estruturas quando deseja aprender.
Meu pai e grande incentivador da nossa cultura, frequentemente viajava para Joinville a negócios e de lá nos trazia livros, revistas, gibis e coleções como Diversões Escolares e Nosso Amiguinho. Era o nosso Google hehehe.
Entre os gibis, trazia-nos todos os da Disney, Bolinha, Luluzinha e outros que encontrasse. Maurício de Souza despertava seu talento para o desenho nessa época.
O comércio varejista de Barra Velha nessa época, para nós, eram a “venda” da dona Judite e da dona Madalena. Mas eu via, no gibi, a Luluzinha andar com um carrinho em meio a prateleiras cheias de produtos de todas as espécies e não entendia nada. Muito tempo depois vim a perceber que eram os supermercados. Eles já existiam nos Estados Unidos, onde a Luluzinha morava. E eu pude conhecer muito tempo antes por meio da leitura. Um exemplo banal, mas tente transportar isso para algo relevante e verá o quanto tenho razão.
Minha melhor professora de Português foi uma freira da ordem da Divina Providência, a Irmã Cléa. Ela veio da Alemanha com a família e se instalaram todos num sítio afastado, onde tinham medo de receber pessoas estranhas por não saberem falar o idioma local. Ela, persistente, encontrou uma Bíblia em português e comparando os textos com sua Bíblia em alemão conseguiu aprender a língua da nova pátria. Valorizo isso sobremaneira, uma vez que ainda encontro pessoas falando alemão em público, bem alto e bom som, sem ao menos terem nascido lá. Penso que, por respeito ao país que os acolheu, devessem falar sua língua de origem apenas na intimidade de sua família. No caso da freira, a leitura serviu não só de importante meio de comunicação entre ela, a família e a comunidade, como fê-la tornar-se uma excelente divulgadora da língua portuguesa.
Queria ter muito mais tempo para ler. Fico triste quando observo pessoas dando tratos ao ócio, quando poderiam ocupar seu tempo com boas leituras. Trar-lhes-ia um benefício incalculável. Pena...
Por outro lado, causa-me uma grande sensação de bem estar a certeza de, ao longo da minha carreira profissional, ter conquistado muitos bons leitores.
Costumo repetir que, quem não sabe é como quem não vê. Isto é, a ignorância causa cegueira. Uma boa leitura não apenas combate como também neutraliza esse mal terrível que é a ignorância.
Sabe-se que 95% do conhecimento humano está nos livros. Cabe-nos aproveitar, divulgar e conquistar mais e mais leitores para o bem da humanidade. Uma importante ferramenta que não pode ser desprezada.








Um comentário:

  1. Uma bela narrativa, com lembranças que levam à reflexão sobre o quanto nossa vida mudou nestas últimas décadas. Curioso é constatar que, apesar de toda a evolução, com esta quarentena, nenhum ônibus entra em Barra Velha. Parabéns e obrigado pelo texto!

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