domingo, 25 de abril de 2021

Abre-se mais um cantinho da memória... (parte IV)

 


 

Na parte III desta série de memórias, mencionei minha intenção de entrar em casa. Vou fazer isso, não sem antes falar sobre o poço, que nos garantia a sobrevivência, pois ninguém vive sem água, pois não?

Ficava localizado nos fundos da casa, quase dentro dela. Era largo e tinha pouca profundidade. Dele nos servíamos de água praticamente aquecida nas manhãs de inverno e, no verão, garantia a degustação das melancias muito frescas. Estas eram bem amarradas com cordas e, no início da manhã, colocadas dentro da água para, na hora da sobremesa, serem retiradas e saboreadas. Estavam, então, frescas e deliciosas. Criatividade acima da dificuldade da falta de energia elétrica. Nosso poço nunca nos negava água. Quando a vizinhança ficava sem, na temporada de verão, para nós isso não era problema. Até socorríamos um ou outro vizinho nas horas de necessidade do precioso líquido. 

Periodicamente ele era esvaziado para limpeza e purificação. Nessas horas entrava um personagem importante. O seu Osni Cacuá. Era aquele pau para toda obra tão necessário e que existe em todos os lugares. Ele tirava toda a água do poço, limpava bem as paredes e colocava cal no fundo. Pronto. Imediatamente começava a fluir água limpa e esterilizada. Um episódio peculiar aconteceu quando meu cunhado Alcides, ao chegar da praia, foi até o poço tirar um balde d’água e, ao se abaixar, seus documentos, que estavam no bolso da camisa, caíram lá para dentro. Quem iria resgatá-los? Eu, pequena e muito magrinha, fui. Com ajuda, desci até a água e peguei os documentos encharcados. Escrevendo aqui, vivo a mesma sensação que senti naquela hora. O ar me falta. Deve ter sido nesse momento que percebi, mesmo sem o saber, que sou claustrofóbica.

Agora podemos entrar em casa. Por favor, pela porta da frente! Havia na entrada uma pequena varanda, depois entrava-se na sala ampla, decorada com poltronas simples, aliás, tudo era deliciosamente simples, no mesmo ambiente, a mesa com quatro cadeiras, onde as refeições eram servidas, somente para visitas. Os quatro quartos ficavam ao lado dessa sala. Um grande e inesquecível balcão encostado na parede dos fundos, fechava a decoração. Piso com tábuas largas, sem cera ou qualquer outro revestimento. O piso da casa inteira era lavado com água e sabão toda sexta feira.

À esquerda havia a passagem para a cozinha. Nesse espaçozinho havia apenas uma pequena prateleira que sustentava um dos veículos de comunicação da família. O rádio! Uma das conexões com o mundo. Sintonizava-se emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro, tal era a potência do alcance das suas ondas médias, curtas e muito chiado. Nos dias de faxina, a rádio Nacional de São Paulo, ou a rádio Tupy do Rio de Janeiro davam conta da trilha sonora. Belas lembranças. Na hora do Repórter Esso, o silêncio precisava ser sepulcral. Ainda trago na memória a música que introduzia esse noticiário.

Nesse rádio também, nas tardes de muito trabalho manual e bordado, minha irmã mais velha e minha mãe ouviam as radionovelas chorosas. Essas eram proibidas para nós crianças, mas, exatamente às dezoito horas, entrávamos afoitos para acompanhar “Jerônimo, o herói do sertão”. Esse era o protagonista do folhetim, mas tinha a Aninha, sua namorada, o Moleque Saci, o Corisco e outros personagens que agora me fogem à memória. Era lindo e empolgante! 

Lembro de ter ouvido nesse rádio alguma coisa dos jogos da copa do mundo na Suécia, em 1958. O Brasil foi campeão. A transmissão era feita diretamente de lá. Imagine a qualidade. Ouvia-se algumas jogadas claramente para, logo em seguida, vir um chiado que impedia qualquer entendimento. De qualquer forma, festejamos a vitória da seleção brasileira. Os meninos disputavam umas pecas que foram lançadas na época em comemoração ao evento. As suecas. Acinzentadas e opacas, eram bonitas e desejadas. Outra atração radiofônica que não perdíamos era, na Semana Santa, a Paixão de Cristo. A voz do Roberto Faissal representando Jesus era de levar às lágrimas. Ou seria o Floriano Faissal o Jesus. Não tenho certeza, mas sei que ambas as vozes eram lindíssimas.

Embora tenha ainda muitas histórias a serem contadas, devo interromper a narrativa por causa da extensão do texto. Vou continuar. Muito provavelmente, devo concluir na quinta parte. Não quero cansar meus fieis leitores. Por isso, repito.

Continua.

sábado, 17 de abril de 2021

 

Abre-se mais um cantinho da memória... (parte III)

 

A janela continua aberta. Aproveito, então, para continuar a narrativa antes que ela resolva se fechar e as memórias se escondam irremediavelmente em um cantinho onde eu não possa encontrá-las mais.

Estava comentando sobre o quintal da minha casa. Aquele que se assemelhava a um parque de diversões, embora em meu tempo de criança, nem sonhava com o que seria um. Mais tarde, já éramos grandinhas, aparecia por lá um parque que ficava instalado em um terreno de propriedade da família, bem ao lado da nossa casa e, por isso, ganhávamos um ingresso livre e permanente. Podíamos usufruir dos brinquedos ilimitadamente, sem custo. As Maninhas, Marilda e Marília, a Polaca, Rosali Ravache, minha inseparável irmã Graça e eu não saíamos dali. Nossas aventuras no Chapéu Mexicano são inesquecíveis. Eu sentia que tocava o céu!

Retomando as brincadeiras da infância... não tínhamos bicicleta assim, física, mas nossa imaginação inventiva usava a criatividade e dávamos nosso jeito. Bastava tirar dois sarrafos da cerca e sentar no vão deixado por eles. Um dos sarrafos era colocado no vão seguinte. Era o guidão. O outro era colocado na travessa inferior da cerca. Era o pedal. Fazíamos altos pedais, embora faltasse total conforto no selim. Nunca esquecendo de recolocar os sarrafos no lugar depois dos “passeios”. Sobre aventuras de bicicleta, tem aquela em que a Graça e eu pegamos a bicicleta da nossa irmã mais velha enquanto ela estava no trabalho e fomos passear. Mas a tal bicicleta era muito grande para andarmos sozinhas, então resolvemos ir cada uma em um pedal. Fomos pela ruazinha, depois nomeada de Rua Rio de Janeiro. Ela subia e eu descia... e vice-versa. Muito gostoso. Até a primeira curva. Ao virarmos a esquina, tombamos dentro de uma vala que dava vazão às águas pluviais que, felizmente, estava seca. Eu caí no fundo da vala, a bicicleta por cima de mim e a Graça por cima da bicicleta. Uma tragédia! Nem podíamos nos queixar de dor. Colocamos a bicicleta no lugar direitinho e ... silêncio!

Nossa casa era fixada em cima de pilares de tijolos na parte leste para ficar nivelada. Ficava ali embaixo da casa um espaço que utilizávamos para brincar de carrinho. Meu irmão Mário, a Graça e eu tínhamos nossos “autinhos” e ali construíamos nossa cidade. Com pistas de rolamento e tudo o mais que nosso limitado conhecimento imaginava que uma cidade pudesse ter, quer dizer, quase nada. Passávamos tardes memoráveis nessa atividade. O único e grande problema eram as cabeçadas nos caibros enormes que sustentavam a casa. À noite, com alguns galos em nossas cabeças, colocávamos os veículos todos na garagem, que ficava embaixo da cama de cada um. Na época de Páscoa, as carrocerias dos caminhõezinhos amanheciam carregadas de ovinhos de chocolate. Minha mãe era pura doçura e carinho conosco.

Em minha infância, tinha sempre ao alcance da mão uma variedade de frutas retiradas diretamente do pé. Dentro do galinheiro, havia uma goiabeira pequena que dava deliciosas goiabas brancas, doces como mel. Atrás da garagem era um limoeiro cujos frutos bem alaranjados, rendiam saborosas limonadas. Mas nada se compara ao pé de cereja que, somente há muito pouco tempo vim a saber que não era uma cerejeira e sim um pé de jamelão. Oh... que dó se saber enganada. Coisas da simplicidade. De qualquer forma essa, para nós, cerejeira ficava bem rente à nossa cerca, mas para o lado do vizinho, o senhor Arnoldo Luz. Esses frutos, seja lá o que fossem, amadureciam bem no final do verão, já início de outono e eram nossa sobremesa. Depois do almoço, nós três crianças subíamos na árvore e nos deliciávamos com aquele saboroso fruto de cor vermelha bem escura, quase preta. E comíamos tanto até ficar sem ar, “embaçados”, como intitulávamos aquele sintoma. Às vezes, acontecia o imprevisto de sermos flagrados pela sogra do vizinho. A descida da árvore era relâmpago. Deslizávamos pelos galhos que pendiam em nosso terreno e, sem demora, estávamos na segurança de nossa propriedade. Houve um contratempo em certa ocasião em que o Marinho caiu de mau jeito do galho da árvore e desmaiou. Ai que susto! Qual não foi nosso alívio ao vê-lo levantar-se quase em seguida. Estava recuperado. Ufa!  

Meu irmão recebia os amigos em casa e, então, o quintal virava uma verdadeira oficina de brinquedos. Eram pandorgas, bodoques, campeonato de peca, arco de arame impulsionado por outro arame reto com gancho, catapoca e uma variedade de brinquedos fabricados de acordo com a época. Brincadeiras sazonais.  Quando jovens, todos os amigos da cidade saíam para estudar em colégio interno. Nas férias, todos nos reuníamos na minha casa para jogar pingue pongue, ou tênis de mesa, como queiram. E a saudade aperta e desaperta dentro do peito. Nós meninas também tínhamos brincadeiras sazonais. Havia o tempo de brincar de bonecas, em outros tempos brincávamos de casinha e de cozinhada. Quando a cozinhada era na casa das Maninhas, até a mãe dela almoçava com a gente. Algumas iguarias feitas nessas ocasiões eu nunca mais saboreei, mas lembro serem deliciosas. Por vezes, nossa atividade era o teatro. Verdadeiras superproduções! Outra brincadeira que não me esqueço era a de socar baga. Quando as sementes do sombreiro secavam, ao socar e abrir a casca, dela se retirava uma amêndoa de inigualável sabor. Tinha uma época certa do ano para se fazer isso. Pular corda, amarelinha e cinco Marias. Para esta última brincadeira, confeccionávamos saquinhos, um mais lindo do que o outro e os enchíamos de areia. Matéria prima farta na praia. Havia também as brincadeiras no mar e na lagoa. Ah... essas merecerão um texto só para elas.

Para encerrar essa narrativa de nosso precioso quintal, devo mencionar que o gramado que ficava à leste da casa, nos tempos de nossa juventude, servia de palco para, nas madrugadas de verão, os garotos fazerem serenatas, cantando e tocando canções românticas e muito ié ié ié. Traziam um aparato com violões, chocalhos, marimba e outros instrumentos. Um verdadeiro concerto! Lembro de meus pais saírem do quarto deles com os pescoços doloridos por ficarem com a cabeça levantada do travesseiro na tentativa de não perder um só acorde da linda cantoria. Mais saudade!...

Interrompo novamente este relato das minhas memórias da infância privilegiada que tive, porque o texto atingiu um tamanho razoável. Pretendo retomá-lo em outro momento para, então, entrar em casa. As lembranças de minha casa são igualmente gostosas de lembrar e sei que o meu leitor irá gostar também de ler. Repito, então.

Continua...

terça-feira, 13 de abril de 2021

Abre-se mais um cantinho da memória... (parte II)


 

Retomando a narrativa, onde eu falava sobre o quintal da minha casa se assemelhar a um zoológico. Meu pai sempre teve cachorros. De raça ou sem raça, eles faziam parte de nosso dia a dia, junto com os da minha irmã Graça e até eu, que não era lá muito fã de pelos, tive um que ganhei de presente da irmã Tute (Sueli). Além dos gatos, pai, mãe e filhotes, que a Graça cuidava com todo amor e cuidado.

Houve um tempo em que meu pai trouxe para casa, a fim de fornecer leite saudável e forte para a família, uma cabra com três graciosos cabritinhos. Todos branquinhos, eles eram muito engraçadinhos. Às vezes, sem nenhum estímulo, punham-se a pular no mesmo lugar os três ao mesmo tempo. Um encanto!

 Em outro momento, apareceu com um casal de coelhos. Em pouco tempo já eram trinta e dois bichinhos e aumentando aceleradamente. Claro que foi intimado a se livrar deles sem demora. Muito difícil mantê-los em casa. Mas eram tão bonitinhos!...

A parelha de éguas mais a carroça tinham finalidade funcional. Serviam de transporte para pequenos deslocamentos. Em determinadas épocas, meu pai achava necessário que as éguas se alimentassem de capim salgado e pedia para que as levássemos à praia da península, chamada Coreia na época. Minha irmã e eu as levávamos montadas em pelo, sem sela, nem arreio, apenas com um cabresto na boca para que pudessem ser direcionadas para esquerda, direita ou parar. Em uma dessas ocasiões, ao retornarmos com os animais para casa, fomos surpreendidas por uma maré de lua, quando, em alguns trechos, o mar emendava, emenda até hoje, com a lagoa. Seguimos montadas, as éguas com água quase batendo na barriga. Foi forte a adrenalina! Forte também foi a experiência das crinas que foram trançadas sem que pudéssemos encontrar explicação plausível para o fato. Contei essa passagem na crônica: Seria o saci, ou a velha cabeluda, neste mesmo veículo.

Porém nada se compara ao galinheiro, em diversidade animal. Ali conviviam as donas da casa, as galinhas, com perus, marrecos e até um curral, onde eram criados dois gordos leitões. Foi em cima do telhado desse curral que minha irmã e eu subimos e, de lá, atirávamos, displicentes, os grãos de milho para as galinhas. Para total surpresa, e não menor assombro, o telhado não resistiu e foi abaixo. Nós duas vimo-nos sentadas no chão do curral com pedaços de telha caindo em nossa cabeça. Não sei se o leitor já viveu a experiência de rir e chorar ao mesmo tempo. Foi isso que vivemos, uma olhando para a outra. Com direito à bronca posterior, justa, por sinal. As galinhas eram maioria. Nos finais de tarde, meus pais as soltavam para que comessem os brotinhos da grama. Era um festival de cocoricós! Às sextas feiras, eles aproveitavam a exposição de galináceos para escolher aquela que seria o almoço de domingo. A escolhida era isolada embaixo de uma caixa a fim de fazer a dieta necessária antes do abate. Penso, atualmente, o quanto isso me causa estranheza. Estranho também, mas absolutamente normal para a época, era o fato de meu pai manter sua espingarda de caça ao alcance das mãos enquanto almoçava, na época do inverno. Do seu lugar à mesa, ele visualizava, pela janela, um lindo pé de aroeira, onde pousavam sabiás gordinhos, oferecendo-se para a canja do jantar. Ele apoiava os braços na mesa de refeição segurando a espingarda, fazia a mira e atirava. E lá íamos nós, felizes, buscar o precioso ingrediente do jantar. Ele nunca errava um único tiro. Lembro de não apreciar, nem comer essa dita canja.

Houve um tempo em que tínhamos quarenta galinhas vermelhas, de raça, que punham ovos igualmente vermelhos diariamente. Meus pais estavam sozinhos em casa, pois nós todos estávamos fora de Barra Velha estudando e aquela produção diária de ovos não dava trégua. Todos os vizinhos ganhavam ovos. Meu irmão mais velho, Ubiratan, que ia para casa todos os finais de semana, quase virou um lagarto de tanta gemada que comia. Resultado da superpopulação de galinhas e consequente produção diária de ovos: as penosas tiveram que virar almoço. Tempos de fartura!

Meu pai trabalhava na Prefeitura, que ficava duas casas acima da nossa, na mesma rua. Todos os dias, no lanche das dez horas, minha mãe preparava um Toddy e nele colocava uma gema crua, que ficava ali boiando. Pedia para que nós levássemos esse lanche para ele no trabalho. Essa missão nós compartilhávamos com nossas amigas Maninhas, as gêmeas Marilda e Marília. Somos amigas desde então e até hoje elas lembram do Toddy que levávamos para o meu pai no trabalho. O nosso Toddy também tinha uma gema crua. Passei esse hábito para minhas filhas. Elas adoravam e, se deixasse, comiam até meia dúzia em um só dia. Exagero. Apenas uma por dia.

Entre o gramado do lado oeste e a casa, havia um espaço de areia compacta, onde meus sobrinhos, Júnior, Mário Luiz, e eu jogávamos futebol. Os dois controlavam a bola e chutavam em gol. A goleira era eu. Muito bom isso. Temos pouca diferença de idade. Eles também têm na memória esses momentos divertidos.

Aquele quintal era nosso parque de diversões. A diversidade das brincadeiras era enorme. Sem tecnologia nenhuma, nos divertíamos com o que tínhamos à mão. A criatividade e a imaginação impulsionavam a criação dos brinquedos e das brincadeiras. Sapatos feitos de lata, que eram furadas no fundo de fora para dentro. Ali se colocava um cordão comprido que ligava as duas latas, para segurar com as mãos. Colocava-se os pés em cima das latas fixando o cordão entre os dedos. Apostávamos corrida usando aquele instrumento. Claro que os tombos eram espetaculares! Além dos dedos e pés bem machucados. Com as latas de leite em pó, farinha láctea e outros conteúdos, fabricavam-se carrinhos para puxar. Cinco, seis ou mais latas cheias de areia recebiam uma segunda carga em cima. Essas rodavam para trás, enquanto as de baixo rodavam para frente. Havia disputa entre os meninos da redondeza para ver quem fabricava o maior carrinho. E tome corridas, derrapadas e capotamentos! E a imaginação a mil!

Olhem aí o texto atingindo o tamanho ideal novamente. É hora de interromper a narrativa. Direi novamente.

Continua...  

      

domingo, 11 de abril de 2021

Abre-se mais um cantinho na memória - uma janela para a infância

 

 

Morávamos em um espaçoso bangalô de madeira com quatro quartos construído em um terreno de pouco mais de setecentos metros quadrados. Ali, nesse espaço exíguo, tínhamos tudo o que uma pequena chácara pode conter. A trinta metros para leste ficava a lagoa de Barra Velha. Mais alguns metros e lá estava o mar. Ah... o mar!...

Um prolongamento na parte de trás da casa, abrigava banheiro, lavanderia e mais tudo o que não podia estar no interior da casa. Um depósito de trecos importantes e necessários para uma ocasião de serventia. Isto é: tudo o que se possa imaginar.

Havia grandes gramados nos dois lados da casa.  Ao abrir a janela do nosso quarto, meu, da minha irmã e do meu irmão, que ficava voltado para o lado do mar, deparávamo-nos com um desses gramados, onde havia uma rede. Esse era o local em que minha irmã e eu gostávamos de ficar ora balançando na rede, ora deitadas de costas na grama observando as nuvens. “Vai desaparecer... vai desparecer... vai desaparecer...”, repetíamos, e lá se iam elas povoar o imaginário de outras crianças em outro lugar longínquo. E, ainda apreciando as nuvens, encontrávamos muitos personagens que, por certo, moravam por aquelas bandas. Eram cães, cavalos, peixes e tantos outros os quais nossa visão infantil aguçada nos permitia descobrir. Era ali que fazíamos o lanche da tarde, que tomávamos a deliciosa limonada, feita com os limões colhidos em nosso quintal.

No outro lado da casa havia outro verdejante gramado. Um razoável espaço em frente a ele era reservado para o jardim da minha mãe. Ela desenhava os canteiros e contava com a ajuda de um menino contratado para a execução de seu arrojado projeto. Mudava várias vezes ao longo do ano, de acordo com as flores de cada estação. As pessoas que passavam pela rua paravam para apreciar a beleza do jardim tão bem cuidado e com tanto bom gosto. Ficava mesmo maravilhoso. Esse gramado tinha tripla finalidade. Estender as roupas para secar num varal construído sobre ele, colocar as roupas mais encardidas na grama para que o sol as alvejasse e, quando já éramos maiores, virava nossa quadra de vôlei.

Nos fundos do quintal ficava a horta. Eram várias leiras organizadas pela minha mãe e seu ajudante, onde ela cultivava toda sorte de verduras e legumes. Meu pai se encarregava de não deixar faltar muita terra fértil e insumos para que tivéssemos uma alimentação saudável. Foi nesse lugar que minha irmã Graça e eu estávamos brincando de acertar com pedras a cerca da vizinha, a frau Salfer. De repente, um pintinho que estava ali, no lugar errado, na hora errada, rodopiou e caiu sem vida! Falei: - Guria! Tu mataste o pintinho! E ela: - Não! Deu um “ar” nele! Pode ver a marca da pedra que eu atirei aqui na cerca! Nunca irei saber o que, ou quem tirou a vida daquele pobre animalzinho que, rebelde, fugira de sua mãe. Até hoje lembramos essa história e nos colocamos a dar risadas.

Entre o prolongamento da casa e a horta ainda havia uma enorme árvore frondosa. Linda! Ao lado, mais tarde, foi construída a garagem, sacrificando boa parte do galinheiro que ficava também nos fundos do quintal, mas na extremidade oeste. Minha casa, a casa da minha infância, era um mini zoológico, dada a quantidade de animais que criávamos. Essa era tarefa do meu pai. Ele gostava de caçar então tinha um bom cachorro de caça e outros menores para ajudar na captura. Um de seus cães, o Patusco, foi morto, atropelado por um avião. Explico. O senhor Alonso Braga, um fazendeiro do sul de São Paulo, tinha casa de veraneio no centro da vila e uma propriedade mais afastada onde criava bois zebu. Pois bem. Esse fazendeiro tinha um filho aviador que aterrissava seu teco-teco em plena faixa de areia da praia, bem em frente à casa de seu pai. Na época, a faixa de areia era bem extensa e firme. Em um momento desses, meu pai passava por ali com Patusco, que correu a latir para aquele estranho objeto, quando o trem de pouso bateu violentamente em sua cabeça. Lamentável!

Com esse trágico episódio interrompo aqui essa narrativa, pois ela já atingiu um tamanho máximo para não cansar meus leitores. No entanto há ainda muito o que registrar sobre o que vejo nessa janela recém-aberta pela minha memória.

Irei retomá-lo em outro momento, antes que que ela se feche. Direi apenas,

Continua...