terça-feira, 13 de abril de 2021

Abre-se mais um cantinho da memória... (parte II)


 

Retomando a narrativa, onde eu falava sobre o quintal da minha casa se assemelhar a um zoológico. Meu pai sempre teve cachorros. De raça ou sem raça, eles faziam parte de nosso dia a dia, junto com os da minha irmã Graça e até eu, que não era lá muito fã de pelos, tive um que ganhei de presente da irmã Tute (Sueli). Além dos gatos, pai, mãe e filhotes, que a Graça cuidava com todo amor e cuidado.

Houve um tempo em que meu pai trouxe para casa, a fim de fornecer leite saudável e forte para a família, uma cabra com três graciosos cabritinhos. Todos branquinhos, eles eram muito engraçadinhos. Às vezes, sem nenhum estímulo, punham-se a pular no mesmo lugar os três ao mesmo tempo. Um encanto!

 Em outro momento, apareceu com um casal de coelhos. Em pouco tempo já eram trinta e dois bichinhos e aumentando aceleradamente. Claro que foi intimado a se livrar deles sem demora. Muito difícil mantê-los em casa. Mas eram tão bonitinhos!...

A parelha de éguas mais a carroça tinham finalidade funcional. Serviam de transporte para pequenos deslocamentos. Em determinadas épocas, meu pai achava necessário que as éguas se alimentassem de capim salgado e pedia para que as levássemos à praia da península, chamada Coreia na época. Minha irmã e eu as levávamos montadas em pelo, sem sela, nem arreio, apenas com um cabresto na boca para que pudessem ser direcionadas para esquerda, direita ou parar. Em uma dessas ocasiões, ao retornarmos com os animais para casa, fomos surpreendidas por uma maré de lua, quando, em alguns trechos, o mar emendava, emenda até hoje, com a lagoa. Seguimos montadas, as éguas com água quase batendo na barriga. Foi forte a adrenalina! Forte também foi a experiência das crinas que foram trançadas sem que pudéssemos encontrar explicação plausível para o fato. Contei essa passagem na crônica: Seria o saci, ou a velha cabeluda, neste mesmo veículo.

Porém nada se compara ao galinheiro, em diversidade animal. Ali conviviam as donas da casa, as galinhas, com perus, marrecos e até um curral, onde eram criados dois gordos leitões. Foi em cima do telhado desse curral que minha irmã e eu subimos e, de lá, atirávamos, displicentes, os grãos de milho para as galinhas. Para total surpresa, e não menor assombro, o telhado não resistiu e foi abaixo. Nós duas vimo-nos sentadas no chão do curral com pedaços de telha caindo em nossa cabeça. Não sei se o leitor já viveu a experiência de rir e chorar ao mesmo tempo. Foi isso que vivemos, uma olhando para a outra. Com direito à bronca posterior, justa, por sinal. As galinhas eram maioria. Nos finais de tarde, meus pais as soltavam para que comessem os brotinhos da grama. Era um festival de cocoricós! Às sextas feiras, eles aproveitavam a exposição de galináceos para escolher aquela que seria o almoço de domingo. A escolhida era isolada embaixo de uma caixa a fim de fazer a dieta necessária antes do abate. Penso, atualmente, o quanto isso me causa estranheza. Estranho também, mas absolutamente normal para a época, era o fato de meu pai manter sua espingarda de caça ao alcance das mãos enquanto almoçava, na época do inverno. Do seu lugar à mesa, ele visualizava, pela janela, um lindo pé de aroeira, onde pousavam sabiás gordinhos, oferecendo-se para a canja do jantar. Ele apoiava os braços na mesa de refeição segurando a espingarda, fazia a mira e atirava. E lá íamos nós, felizes, buscar o precioso ingrediente do jantar. Ele nunca errava um único tiro. Lembro de não apreciar, nem comer essa dita canja.

Houve um tempo em que tínhamos quarenta galinhas vermelhas, de raça, que punham ovos igualmente vermelhos diariamente. Meus pais estavam sozinhos em casa, pois nós todos estávamos fora de Barra Velha estudando e aquela produção diária de ovos não dava trégua. Todos os vizinhos ganhavam ovos. Meu irmão mais velho, Ubiratan, que ia para casa todos os finais de semana, quase virou um lagarto de tanta gemada que comia. Resultado da superpopulação de galinhas e consequente produção diária de ovos: as penosas tiveram que virar almoço. Tempos de fartura!

Meu pai trabalhava na Prefeitura, que ficava duas casas acima da nossa, na mesma rua. Todos os dias, no lanche das dez horas, minha mãe preparava um Toddy e nele colocava uma gema crua, que ficava ali boiando. Pedia para que nós levássemos esse lanche para ele no trabalho. Essa missão nós compartilhávamos com nossas amigas Maninhas, as gêmeas Marilda e Marília. Somos amigas desde então e até hoje elas lembram do Toddy que levávamos para o meu pai no trabalho. O nosso Toddy também tinha uma gema crua. Passei esse hábito para minhas filhas. Elas adoravam e, se deixasse, comiam até meia dúzia em um só dia. Exagero. Apenas uma por dia.

Entre o gramado do lado oeste e a casa, havia um espaço de areia compacta, onde meus sobrinhos, Júnior, Mário Luiz, e eu jogávamos futebol. Os dois controlavam a bola e chutavam em gol. A goleira era eu. Muito bom isso. Temos pouca diferença de idade. Eles também têm na memória esses momentos divertidos.

Aquele quintal era nosso parque de diversões. A diversidade das brincadeiras era enorme. Sem tecnologia nenhuma, nos divertíamos com o que tínhamos à mão. A criatividade e a imaginação impulsionavam a criação dos brinquedos e das brincadeiras. Sapatos feitos de lata, que eram furadas no fundo de fora para dentro. Ali se colocava um cordão comprido que ligava as duas latas, para segurar com as mãos. Colocava-se os pés em cima das latas fixando o cordão entre os dedos. Apostávamos corrida usando aquele instrumento. Claro que os tombos eram espetaculares! Além dos dedos e pés bem machucados. Com as latas de leite em pó, farinha láctea e outros conteúdos, fabricavam-se carrinhos para puxar. Cinco, seis ou mais latas cheias de areia recebiam uma segunda carga em cima. Essas rodavam para trás, enquanto as de baixo rodavam para frente. Havia disputa entre os meninos da redondeza para ver quem fabricava o maior carrinho. E tome corridas, derrapadas e capotamentos! E a imaginação a mil!

Olhem aí o texto atingindo o tamanho ideal novamente. É hora de interromper a narrativa. Direi novamente.

Continua...  

      

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