domingo, 11 de abril de 2021

Abre-se mais um cantinho na memória - uma janela para a infância

 

 

Morávamos em um espaçoso bangalô de madeira com quatro quartos construído em um terreno de pouco mais de setecentos metros quadrados. Ali, nesse espaço exíguo, tínhamos tudo o que uma pequena chácara pode conter. A trinta metros para leste ficava a lagoa de Barra Velha. Mais alguns metros e lá estava o mar. Ah... o mar!...

Um prolongamento na parte de trás da casa, abrigava banheiro, lavanderia e mais tudo o que não podia estar no interior da casa. Um depósito de trecos importantes e necessários para uma ocasião de serventia. Isto é: tudo o que se possa imaginar.

Havia grandes gramados nos dois lados da casa.  Ao abrir a janela do nosso quarto, meu, da minha irmã e do meu irmão, que ficava voltado para o lado do mar, deparávamo-nos com um desses gramados, onde havia uma rede. Esse era o local em que minha irmã e eu gostávamos de ficar ora balançando na rede, ora deitadas de costas na grama observando as nuvens. “Vai desaparecer... vai desparecer... vai desaparecer...”, repetíamos, e lá se iam elas povoar o imaginário de outras crianças em outro lugar longínquo. E, ainda apreciando as nuvens, encontrávamos muitos personagens que, por certo, moravam por aquelas bandas. Eram cães, cavalos, peixes e tantos outros os quais nossa visão infantil aguçada nos permitia descobrir. Era ali que fazíamos o lanche da tarde, que tomávamos a deliciosa limonada, feita com os limões colhidos em nosso quintal.

No outro lado da casa havia outro verdejante gramado. Um razoável espaço em frente a ele era reservado para o jardim da minha mãe. Ela desenhava os canteiros e contava com a ajuda de um menino contratado para a execução de seu arrojado projeto. Mudava várias vezes ao longo do ano, de acordo com as flores de cada estação. As pessoas que passavam pela rua paravam para apreciar a beleza do jardim tão bem cuidado e com tanto bom gosto. Ficava mesmo maravilhoso. Esse gramado tinha tripla finalidade. Estender as roupas para secar num varal construído sobre ele, colocar as roupas mais encardidas na grama para que o sol as alvejasse e, quando já éramos maiores, virava nossa quadra de vôlei.

Nos fundos do quintal ficava a horta. Eram várias leiras organizadas pela minha mãe e seu ajudante, onde ela cultivava toda sorte de verduras e legumes. Meu pai se encarregava de não deixar faltar muita terra fértil e insumos para que tivéssemos uma alimentação saudável. Foi nesse lugar que minha irmã Graça e eu estávamos brincando de acertar com pedras a cerca da vizinha, a frau Salfer. De repente, um pintinho que estava ali, no lugar errado, na hora errada, rodopiou e caiu sem vida! Falei: - Guria! Tu mataste o pintinho! E ela: - Não! Deu um “ar” nele! Pode ver a marca da pedra que eu atirei aqui na cerca! Nunca irei saber o que, ou quem tirou a vida daquele pobre animalzinho que, rebelde, fugira de sua mãe. Até hoje lembramos essa história e nos colocamos a dar risadas.

Entre o prolongamento da casa e a horta ainda havia uma enorme árvore frondosa. Linda! Ao lado, mais tarde, foi construída a garagem, sacrificando boa parte do galinheiro que ficava também nos fundos do quintal, mas na extremidade oeste. Minha casa, a casa da minha infância, era um mini zoológico, dada a quantidade de animais que criávamos. Essa era tarefa do meu pai. Ele gostava de caçar então tinha um bom cachorro de caça e outros menores para ajudar na captura. Um de seus cães, o Patusco, foi morto, atropelado por um avião. Explico. O senhor Alonso Braga, um fazendeiro do sul de São Paulo, tinha casa de veraneio no centro da vila e uma propriedade mais afastada onde criava bois zebu. Pois bem. Esse fazendeiro tinha um filho aviador que aterrissava seu teco-teco em plena faixa de areia da praia, bem em frente à casa de seu pai. Na época, a faixa de areia era bem extensa e firme. Em um momento desses, meu pai passava por ali com Patusco, que correu a latir para aquele estranho objeto, quando o trem de pouso bateu violentamente em sua cabeça. Lamentável!

Com esse trágico episódio interrompo aqui essa narrativa, pois ela já atingiu um tamanho máximo para não cansar meus leitores. No entanto há ainda muito o que registrar sobre o que vejo nessa janela recém-aberta pela minha memória.

Irei retomá-lo em outro momento, antes que que ela se feche. Direi apenas,

Continua...

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