segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O internato



Meus irmãos e eu cursamos o grupo escolar em Barra Velha/SC e, como não havia possibilidade de ali continuarmos os estudos, debandamos para outras paragens para seguir adiante em nossa necessidade de saber.
Os meninos foram para Joinville e Araquari em busca dos necessários conhecimentos. Minha irmã e eu fomos para um colégio de freiras, em Jaraguá do Sul.
O tamanho do colégio nos assustou sobremaneira. Nossa escola Reunida contava apenas com duas salas, portanto tão somente quatro turmas podiam estudar ali. Duas pela manhã e duas no período vespertino. Ao nos depararmos com aquela estrutura imensa, o impacto foi inevitável.
A recepção das freiras foi a mais amigável possível, até a saída de nossos pais. Eu era a caçula, mimada, o xodó do papai. As freiras eram alemãs, oriundas do pós-guerra. Faltavam-lhes carinho e habilidade no trato conosco. Como resultado, chorei o ano inteiro. Chorava durante o dia, à noite, o tempo todo. Apenas minha irmã do coração tinha paciência comigo. Tínhamos permissão para ir para casa somente três ou quatro vezes ao ano, incluindo as férias escolares em julho e janeiro, quando nossa permanência com os nossos era um pouco maior. Devo ser honesta. As férias de verão, nesse tempo, iam do final de novembro, para quem passava por média, até o início de março. Era bom!
No ano seguinte, já mais madura, a rotina foi um pouco diferente. Com a certeza de que não poderia mudar a situação, tratei de me divertir para não sofrer. Nesse ano chegaram ao colégio algumas meninas da nossa redondeza, que, certamente, não eram alemãs. Começou a melhorar. Entre elas veio uma menina de Piçarras, litoral catarinense também. Essa realmente falava a minha língua. As freiras, então, não sabiam se preferiam o meu choro, ou aquela nova realidade.
A vida no internato era uma limonada que fazíamos com os limões que nos eram dados diariamente. Isso me proporcionou um aprendizado importante para encarar todos os limões que a vida me proporcionaria na vida e com eles fazer muita limonada. Aprendi com um quadrinho que minha mãe tinha na cozinha e que dizia assim: “Se a vida lhe der um limão, faça uma limonada.” Achava aqueles dizeres muito sem graça até que tive de começar a minha produção de limonada também.
Lá não havia contato com o mundo exterior. Nada de visão da rua, a não ser por uma frestinha entre os prédios muito disputada entre as internas, por sinal. Para quem tinha vivido até então na praia, com o mundo como seu quintal para correr e brincar, aquilo equivalia a uma prisão de segurança máxima.
Passeios somente aos domingos à tarde, após uma irritante, silenciosa e obrigatória sesta. Saíamos em fila indiana, uma freira na frente e outra atrás, bem ao estilo do desenho animado Madeleine, para quem conhece. Percorríamos as duas principais ruas da cidade, dávamos a volta pela praça do Correio, passávamos em frente ao cinema e, sempre em fila, voltávamos para o colégio, não sem antes passar pelo bar do Pully para um tomar um sorvete de abacate de sabor delicioso e inesquecível. Junto com o abacate sentíamos o sabor da liberdade, ainda que fugaz...
Muito raramente, quando o cinema da cidade exibia algum filme sobre a vida de Cristo, as freiras nos levavam para assistir. Que festa! Mal apagava a luz e já se podia ouvir o burburinho da troca de lugares. Isso mesmo! Com toda a vigilância a paquera corria solta! As internas, talvez por serem tão proibitivas, atraíam a atenção dos gatinhos da cidade. Durante a semana, trocávamos bilhetinhos, via alunas externas, com aqueles que haviam nos visto passar nos passeios dominicais.  Todas as internas, exceto aquelas que estudavam para serem freiras, tiveram seus paquerinhas nesse tempo. Não tínhamos nem idéia de quem havia enviado o bilhete, mas em seguida dávamos um jeito e então... Imagine a adrenalina com as freiras duas ou três fileiras para trás. Transgredir sempre foi o açúcar das nossas limonadas. As meninas atuais, que vivem momentos de plena liberdade, não sabem como é bom apimentar essas relações com um pouco de proibido, sem passar dos limites, é claro.
Minha companheira de “aprontações” e eu vivíamos sempre juntas, partilhávamos de cada gargalhada, de cada travessura. Na verdade, tínhamos um grupinho de nome TOPA. Era uma sigla que, asseguro, não lembro mais o que significava, mas nós cinco, no início, depois apenas quatro não nos desgrudávamos. As freiras afastaram uma das nossas alegando que ela era mais nova. Que nada! Ela era exatamente aquela companheira de bagunça, um ano mais nova, sim, porém com ela o grupo pegava fogo. Proibidas de nos vermos, essa criatura, um dia, fingiu estar doente, foi para o dormitório onde lhe serviram sopa. Imediatamente chamou-nos para nos deliciarmos com seu alimento diferente. No dia em que ela veio de casa com a franjinha cortada tivemos que nos divertir à custa dela. Ficou bem bonitinha, mas tínhamos que tirar proveito para nos divertir. Tudo porque ficava braba quando mexíamos com ela. Anos depois, casou-se com um dos meus irmãos. Dessa forma, unimos nossos laços para sempre.
Em junho as freiras faziam uma grande festa aberta ao público. Foi nessa ocasião que eu, sem querer, acendi um buscapé e joguei, também sem querer, perto de uma freira, com aquelas roupas pretas, enormes e farfalhantes. Ela fez tudo o que não deveria ter feito. Correu! Claro que o buscapé foi parar embaixo da saia dela. Alvoroço! Quem foi? Quem não foi? E eu, longe dali. Na verdade, não era minha intenção que o objeto fosse parar ali, mas ela correu...  A culpa não foi minha!
Momentos sérios e marcantes eram quando íamos à missa no Colégio Marista São Luiz, vez por outra. A missa para nós era obrigatória todas as manhãs, bem cedo. Esse colégio abrigava os internos e ficava separado do nosso, o Colégio da Divina Providência, pela igreja católica. Tenho em minha lembrança, nitidamente, o som do canto gregoriano que os irmãos maristas entoavam antes da missa e que ouvíamos desde bem longe. Durante a missa também tínhamos o privilégio de ouvir esse canto de anjos.
Minha natureza livre e rebelde custou a se moldar ao sistema do colégio, mas, certamente, trouxe e deixei, marcas profundas por lá.





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