Cores. Adoro cores! Fortes ou suaves, gosto de viver num
ambiente colorido. Admiro sobremaneira as pessoas que sabem lidar e conviver
com elas, transformando-as em belíssimas obras de arte.
A natureza, no entanto, guarda tons que artista nenhum
consegue reproduzir. Minha memória visual me conduz a uma casinha simples que
existia em Barra Velha, entre o mar e a lagoa, logo depois do areão, antigas
dunas, que hoje não existem mais. Naquela casinha respirava-se simplicidade,
asseio e aconchego.
Uma parada para tomar água e pude visualizar a cena
inesquecível. Antes de iniciar o relato, devo mencionar outra imagem gravada na
mente. A do recipiente de alumínio limpo e brilhante que continha aquela água,
servida numa casca de coco da Bahia cortado ao meio e espetada com um graveto na borda,
a guisa de cabo, tudo muito limpo. A ciência diz que a água é insípida. Aquela
ali, bebida com sede de anteontem, contraria totalmente esse conceito. Deliciosa!
Eu era criança,
talvez tivesse uns sete ou oito anos, pedi às senhoras que trabalhavam na sala,
assoalho brilhante, para me sentar ali na porta e ficar apreciando-as trabalhar Algumas mulheres desfiavam folhas de tucum,
um arbusto encontrado com fartura nesse tempo, década de 1950, nas matas
próximas. Adentravam aquelas matas, em grupos de dez, quinze, entre homens e
mulheres, para buscar a tal folha daquele arbusto cheio de espinhos. Delas tiravam
as fibras, penteavam bem e então surgia aquele tom de verde maravilhoso. Um tom
quase inexistente, um tom que não há, parafraseando Caetano Veloso.
Havia na sala uma senhora sentada num banquinho portando nas
mãos um fuso feito de madeira escura brilhante, resultado da constante
utilização que, com maestria e rapidez impressionantes, fiava aquela fibra,
transformando-a em fios, segundo os pescadores experientes, o mais resistente
de todos. Outras mulheres ali presentes iam formando grandes novelos com ele.
Meu pai, a quem eu acompanhava nessa aventura, me explicava
que aqueles novelos de tão lindo fio verde, iriam ser colocados em rocas e “coxados”,
em várias espessuras, de acordo com o tamanho do peixe a ser pescado. Duas pernas,
três, quatro... assim tinham pronto o
material para tecer as redes de pesca. Passavam pela mina cabeça os contos de
fada medievais lidos, com rocas e fusos envenenados, tão primitiva era a
manufatura desse material de trabalho dos valentes pescadores da época.
Se você pensou que tecida a rede estava ela pronta para ser
utilizada, enganou-se. Precisavam ainda voltar ao mato para buscar a casca de
determinada árvore para nela deixar a rede em infusão de um dia para o outro. Dessa
forma sumia o lindo tom de verde da fibra, para dar lugar a um tom escuro,
quase preto que, segundo os pescadores, dava mais resistência ao material e, de
alguma forma, camuflava a rede, aumentando assim o resultado da pescaria.
Atualmente, as redes são compradas prontas em lojas especializadas, feitas de nylon. Quem chega até uma canoa, num porto de pesca, a fim de
comprar aquele delicioso peixinho fresco, nem presta atenção às redes
depositadas ali ao lado das canoas, mas diariamente os donos delas precisam
fazer os reparos dos estragos causados pelos peixes. Quando o estrago é
irreparável, dirigem-se à loja e adquirem outra. Há pouco mais de cinqüenta anos,
o processo de adquirir outra rede era bem mais trabalhoso. Muitas vezes, esse
esforço ia mar a dentro levado por um tubarão, um peixe grande qualquer, ou
mesmo um barco maior que levava embora as redes enroladas em seu equipamento.
É o resultado do progresso tecnológico, avançando com
velocidade impressionante, fazendo minha história parecer medieval, mas esses
fatos aconteciam há pouco, na segunda metade do século passado.
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