A história que conto
a seguir foi retirada da memória do Servinato, pescador artesanal de Barra
Velha, Santa Catarina. Tive a felicidade de lhe fazer uma visita há uns dois
anos, ocasião em que conversamos longamente. Na época ele estava com 88 anos,
sofrera um AVC, mas tinha a Mariquinha sempre a seu lado para lhe amparar em
suas dificuldades.
Há poucos dias soube, com tristeza, que desde o dia de Natal
de 2013 ele já não mais está no plano físico. Descansa em outras paragens
menos sofridas, tenho certeza.
Havia um tempo em que da minha casa era comum ouvir o som
das baleias, principalmente à noite. Ora saltando, ora dando barulhentas
rabanadas na água, brincando com os filhotes que vinham criar nas águas mais quentes
de nossas praias. Ouvia-se também o seu “canto”, algo bem próximo ao que dizem
ser o canto das lendárias sereias.
Isso acontecia no inverno, invariavelmente no mês de julho. Lembro-me
de como era agradável acordar com os ruídos desses enormes animais marinhos, bem
agasalhadinha, do conforto da minha cama quente.
No entanto, conversando com o Servinato, pude perceber o
espetáculo por outro ângulo: o do drama!
Pedi a ele que contasse suas experiências no mar com as
baleias, nas madrugadas de pescaria. Contou então que elas, as adultas, não
ofereciam perigo, mas os filhotes, a quem chamava de baleotes, esses sim eram
perigosos, pois investiam contra a canoa. Creio que na tentativa de brincar. Acontece
que a embarcação frágil tornava-se vulnerável diante das investidas dos “bebês”.
Nesse momento ele se cala, olha para o chão e fica
pensativo. Um filme passando na memória. Em seguida, levanta a cabeça e diz “Mas
elas eram ‘macriadas’!” Passa então a relatar a experiência marcante.
Década de 1950, canoa à vela e a remo, seu irmão Ari e ele
marcaram de sair para o mar naquela madrugada. E foram os dois munidos de rede,
espinhel e puçá buscar o sustento da família. Escuridão total, colocaram os
instrumentos de pesca na água e ficaram ali ao sabor das ondas, esperando qual
seria o resultado daquela noite de trabalho.
Repentinamente ouviram aquele “grito” e o monstro surgiu de
dentro d’água. Uma baleia emergia junto à canoa, emitindo seu som
característico. O susto foi tão grande que o Servinato a viu colocando a cabeça
na borda da embarcação. O Ari caiu desmaiado no fundo da canoa. Foi o tempo de
o companheiro se recuperar, recolher o material às pressas – e que pressa -,
içara vela, amarrar o remo que serviria de leme e rezar pedindo vento... muito vento... depois pediram a Deus para que a visitante não
resolvesse segui-los. Foram atendidos em ambos os pedidos, haja visto que
sobreviveram para a alegria da família e companheiros.
Nesse final da história, o Servinato
não fugiu à regra de bom pescador. Tivesse a baleia colocado a cabeça
na borda da embarcação, concorde que os dois irmãos não teriam chegado à praia
depois daquela pescaria, nem nós teríamos tido o prazer de ouvir dele essa bela história para eternizar aqui suas aventuras no mar.
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