quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Baleias




 A história que conto a seguir foi retirada da memória do Servinato, pescador artesanal de Barra Velha, Santa Catarina. Tive a felicidade de lhe fazer uma visita há uns dois anos, ocasião em que conversamos longamente. Na época ele estava com 88 anos, sofrera um AVC, mas tinha a Mariquinha sempre a seu lado para lhe amparar em suas dificuldades.
Há poucos dias soube, com tristeza, que desde o dia de Natal de 2013 ele já não mais está no plano físico. Descansa em outras paragens menos sofridas, tenho certeza.

Havia um tempo em que da minha casa era comum ouvir o som das baleias, principalmente à noite. Ora saltando, ora dando barulhentas rabanadas na água, brincando com os filhotes que vinham criar nas águas mais quentes de nossas praias. Ouvia-se também o seu “canto”, algo bem próximo ao que dizem ser o canto das lendárias sereias.
Isso acontecia no inverno, invariavelmente no mês de julho. Lembro-me de como era agradável acordar com os ruídos desses enormes animais marinhos, bem agasalhadinha, do conforto da minha cama quente.
No entanto, conversando com o Servinato, pude perceber o espetáculo por outro ângulo: o do drama!
Pedi a ele que contasse suas experiências no mar com as baleias, nas madrugadas de pescaria. Contou então que elas, as adultas, não ofereciam perigo, mas os filhotes, a quem chamava de baleotes, esses sim eram perigosos, pois investiam contra a canoa. Creio que na tentativa de brincar. Acontece que a embarcação frágil tornava-se vulnerável diante das investidas dos “bebês”.
Nesse momento ele se cala, olha para o chão e fica pensativo. Um filme passando na memória. Em seguida, levanta a cabeça e diz “Mas elas eram ‘macriadas’!” Passa então a relatar a experiência marcante.
Década de 1950, canoa à vela e a remo, seu irmão Ari e ele marcaram de sair para o mar naquela madrugada. E foram os dois munidos de rede, espinhel e puçá buscar o sustento da família. Escuridão total, colocaram os instrumentos de pesca na água e ficaram ali ao sabor das ondas, esperando qual seria o resultado daquela noite de trabalho.
Repentinamente ouviram aquele “grito” e o monstro surgiu de dentro d’água. Uma baleia emergia junto à canoa, emitindo seu som característico. O susto foi tão grande que o Servinato a viu colocando a cabeça na borda da embarcação. O Ari caiu desmaiado no fundo da canoa. Foi o tempo de o companheiro se recuperar, recolher o material às pressas – e que pressa -, içara vela, amarrar o remo que serviria de leme e rezar pedindo vento... muito vento... depois pediram a Deus para que a visitante não resolvesse segui-los. Foram atendidos em ambos os pedidos, haja visto que sobreviveram para a alegria da família e companheiros.
Nesse final da história, o Servinato  não fugiu à regra de bom pescador. Tivesse a baleia colocado a cabeça na borda da embarcação, concorde que os dois irmãos não teriam chegado à praia depois daquela pescaria, nem nós teríamos tido o prazer de ouvir dele essa bela história para eternizar aqui suas aventuras no mar.

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