Essa história estava guardada num canto da prodigiosa
memória do meu muito amado irmão Mário Moura. Ele conta experiências vividas na
década de 1950, época de sua infância. Diz:
Ainda bem cedo fui
acordado por minha mãe, não sem estranhar, pois estava acostumado a dormir até
mais tarde. Ainda sonolento cheguei à cozinha onde encontrei a mesa já pronta
para o café. Em cima da mesa estava também uma lancheira contendo o pão d’água,
da padaria do sr Orídio, com manteiga fresca, embrulhado em guardanapo de
tecido, devidamente bordado e engomado, mais uma laranja já descascada. Era o
meu lanchinho. Cabe aqui destacar o sabor daquele pão com aquela manteiga.
Inesquecível! O seu Mariano passava pela vila a cada quinze dias vendendo
hortaliças, leite e derivados, incluindo a deliciosa manteiga.
Era o meu primeiro dia
de aula. Tinha, então, sete anos incompletos. A ” Escolas Reunidas Pedro Paulo
Philipi “ me esperava. Um prédio simples, contendo apenas duas salas de aula separadas
por um pequeno pátio coberto. Havia um bom espaço livre ao redor desse prédio,
para as brincadeiras.
Quando cheguei,
estranhei um pouco, fiquei meio desconfiado, afinal tudo era novo para mim. Os
primeiros momentos foram um pouco impactantes. Tudo isso logo se dissipou no
momento em que surgiu dona Nilda, minha primeira professora. Ela veio receber a
mim e a meus amiguinhos. Organizou-nos em uma fila indiana e pediu que
estendêssemos o braço esquerdo e colocássemos a mão sobre o ombro do colega da
frente, assim manteríamos uma distância regular entre nós. Abaixados os braços
entramos na sala de aula onde iniciaríamos a alfabetização. Aos poucos fui me
integrando ao grupo. Lembro-me do Cado, do Rito (pronunciado com som de um “r”
só), do Jango, do Hugo, da Négila, da Solange, do Humberto, do Argemiro e
tantos outros amigos cujos nomes, infelizmente, me fogem da lembrança.
Vivíamos as conquistas
da alfabetização, ao mesmo tempo em que a descontração aumentava entre os novos
amigos. Fomos, aos poucos, nos adaptando às novas regras da escola. No período
da manhã as salas de aula eram ocupadas pelos alunos de primeira e segunda
série, enquanto que à tarde frequentavam os maiores, de terceira e quarta.
Os sábados eram dias
especiais. Todos os alunos da escola tinham aula pela manhã, divididos em dois
turnos: das oito as dez e das dez ao meio dia. Durante a aula, grupos de alunos
eram chamados à sala da diretora para fazer a ‘revista’, quando então eram
revistadas a limpeza das roupas, orelhas, unhas e couro cabeludo, para evitar
epidemia de piolhos. Entre um período e outro era realizada uma homenagem à
Bandeira Nacional. Entoávamos o Hino à Bandeira primeiramente e, em seguida,
mão direita sobre o peito, era a vez do Hino Nacional Brasileiro.
Posteriormente, os alunos que haviam sido selecionados previamente eram
chamados para declamar uma poesia. Uma grande emoção era ser presenteado pela
professora com um poema para decorar durante a semana e recitar na festividade
cívica de sábado.
Passado algum tempo,
eu já estava no terceiro ano, talvez, quando foi preparada na escola uma peça
de teatro que representava a Independência do Brasil chamada “O grito do
Ipiranga”. Meu personagem era nada mais nada menos do que D. Pedro I. Vivi
momentos de horror quando, no ponto máximo da apresentação, ao desembainhar a
espada para dar o famoso grito de “Independência ou morte”, a danada engatou na
cinta e cadê que desengatava! Penso que, se a liberdade do país dependesse de
mim, teria atrasado bem uns cinco minutos, para mim, eternos.
E as brincadeiras...
eram as mais diversas. Havia o tempo de jogar bola, passava-se daí para a
bolinha de gude, “pecas” para nós. Em
outro tempo era eleito o pião... havia um tempo dedicado à confecção de
carrinhos de latas de leite em pó. Furavam-se várias latas, umas cinco ou seis, bem no
meio do fundo e da tampa. Passava-se por ali um arame e enchiam-se as latas com
areia para dar estabilidade e lá íamos nós puxando todo aquele peso, orgulhosos
da produção.
O material escolar era levado
em uma bolsa retangular, de tecido, pouco maior do que um caderno desses
pequenos, com uma alça grande para pendurar no ombro, que chamávamos de
cartapaço. Quando as divergências eram acertadas no final da aula, o famoso “te
pego na saída”, o cartapaço virava arma de ataque ou defesa. O penal de madeira
lá dentro era o causador de galos na cabeça e outras escoriações, ai, ai, ai...
No final do ano,
terminando o ano letivo, eram realizadas as provas finais. Os conhecimentos de
Aritmética, Português, Conhecimentos Gerais, História, Geografia e Religião
eram avaliados no mesmo dia. As provas iniciavam às oito horas da manhã e, como
o tempo era insuficiente para responder a todas as questões, alguém da família
levava uma marmita com o almoço e almoçávamos ali na escola mesmo. Após um
rápido descanso, as provas eram reiniciadas. Terminávamos lá pelo meio da
tarde, exaustos.
Dias depois, voltávamos
à escola para buscar o boletim com os resultados e para o encerramento que
acontecia em grande estilo, com apresentação de peças teatrais e declamação
emocionada de poesias.
Assim, nesse ritmo,
concluí o curso primário.
Também estudei nessa escola e dela tenho as mais ternas
lembranças. Muito me inspiraram aquelas
dedicadas professoras a ser a profissional que fui.
Minha gratidão.
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