O vento sul violento fustiga a minha janela e com ele
lembranças, nem sempre felizes, batem à porta do meu consciente.
Na minha infância, em Barra Velha, a casa da minha avó
ficava ao lado da nossa. Bastava atravessar a ruazinha e pular uma valeta para se
estar lá. No seu quintal havia dois coqueiros gêmeos, altos, tão altos que
pareciam tocar o céu. Provavelmente, ali se alimentavam os caxinguelês.
No inverno, em dias de tempo ruim, o vento sul passava forte
entre eles e, assobiando, entoava seu canto de morte. No dia seguinte a praia
amanhecia triste e os pescadores, desolados, se organizavam para resgatar algum
companheiro que não voltara do mar. Até hoje sinto arrepios ao ouvir o som
desse vento chicoteando na janela.
Dias atrás fui visitar um pescador e sua esposa, antigos
conhecidos, ambos já com mais de oitenta anos. O Servinato e a Mariquinha. Ele
doente, com alguma dificuldade para falar, mas a memória, ainda intacta,
permitiu que me narrasse sua luta ferrenha frente ao temido vento sul, o nosso
conhecido sueste.
Saíram, ele e um companheiro, mais ou menos às três horas da
manhã, para buscar as redes colocadas dias antes nas proximidades da laje
grande, local distante da praia, mas de pescaria farta.
Lá pelas tantas foram surpreendidos pelo temporal com vento
e chuva fortes. A canoa girou descontrolada, a rede se enroscou na hélice do
motor e o barco virou. Tudo escuro, um breu, o ar e a água gelados. Além de
lutar pela sobrevivência, havia a preocupação de não perder os equipamentos,
conseguidos com tanto custo. Ele se segurou na canoa tombada e permaneceu na
água, enquanto seu companheiro resolveu revezar o paradeiro entre o topo de uma
pedra da laje e a água, na intenção de driblar o frio. Mas a temperatura
ambiente estava muito baixa. Quando percebeu
seu amigo sentado na pedra por muito tempo, alertou-o para que pulasse na água que,
por mais fria que pudesse estar ainda era mais quente do que fora dela. Foi nesse
momento que viu seu amigo cair na água e afundar “encarangado”, no dizer do
Servinato. Estava congelado!
Conta que ficou ali, lamentando o desaparecimento do
companheiro, rezando e procurando se proteger da tempestade de todas as maneiras
até o dia amanhecer. A chuva e o vento continuavam implacáveis, impedindo
qualquer tentativa de resgate. Foi somente no final da tarde que uma equipe de
corajosos conseguiu localizá-lo e trazê-lo para terra, já praticamente sem
forças. Demorasse o socorro mais alguns minutos e não o teriam encontrado com
vida.
Definitivamente não era a sua hora que, por sinal, demorou a
chegar. Viveu ainda muitos anos assim
barrigudinho, passinhos curtos, cuidando de sua Mariquinha e sendo cuidado de
perto por ela, até os noventa anos.
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