Houve um tempo em que, ao sentarmos para lanchar à tarde,
minhas filhas ainda pequenas e eu ficávamos a conversar sobre assuntos diversos
até o momento em que, quase findando o lanche eu lhes dizia:
“Quando eu era pequena...”
Imediatamente as três paravam todas as atividades, bracinhos
cruzados em cima da mesa e queixos apoiados nos braços, aguardavam a história
da minha infância que seria contada em seguida. Nesses momentos nada mais
importava para elas, apenas a ansiedade por ouvir uma historinha vivida num
tempo e num espaço inimagináveis para elas. Foram momentos felizes, muito
felizes e de agradável lembrança.
Numa dessas tardes contei-lhes a história, que por sua vez
me foi contada por meu pai, acontecida quando ele era jovem. Fazendo uma continha
rápida, voltaremos, facilmente, à primeira metade do século vinte. A história era a seguinte:
A capela de Barra Velha havia adquirido, ou recebido como
doação, um sino para ser colocado no alto da torre da igreja com a finalidade
de chamar os fieis para rezar. A dificuldade surgida é que esse sino havia sido
entregue, por engano, na capela da localidade de Penha, distante uns quinze
quilômetros e o padre precisaria ir buscá-lo lá. Este, já velhinho e sem
recursos, via-se impossibilitado de fazer tal viagem. Foi quando um grupo de
jovens destemidos da localidade apresentou-se como voluntário para buscar o
sino da capela. Eram três ou quatro rapazes que gostavam de se divertir e
serviam-se de qualquer pretexto para viver novas aventuras, fazer brincadeiras
e dar boas gargalhadas.
E lá foram eles a pé, nesse tempo não havia estradas e muito
menos carros para transitar por elas. Seguiram pelo “carreiro”, um caminho que
beirava a praia, utilizado pelas pessoas que faziam esse trajeto, conversando e
dando risada.
Algumas horas depois, chegaram finalmente à Penha, pegaram o
sino, penduraram-no num pedaço de pau e botaram-se no caminho de volta,
revezando-se de dois em dois para carregar o peso.
Vinham, como sempre, se divertindo quando, ao passarem por
um trecho denominado Xororom, onde a
vegetação cobria o caminho formando uma espécie de túnel, tornando-o escuro e
sombrio mesmo de dia, ouviram, ao longe, um trote de cavalo. Um cavaleiro
solitário se aproximava. Os rapazes entreolharam-se e nem precisaram falar
nada. Esconderam-se no mato com o sino e, em silêncio aguardaram a passagem do
cavaleiro pelo local. No momento exato em que o pobre homem passava por aquele
trecho sinistro, tocaram violentamente o sino. Ouviram então o galope do cavalo
saindo em disparada. Riram até não poder mais, penduraram o sino e seguiram
viagem. Pelo caminho encontraram estribos, pelegos, selas e arreios do cavalo
fugitivo.
Do cavaleiro nunca ouviram falar. Não conseguiram
identificá-lo, nem puderam afirmar sobre sua sobrevivência.
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