terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Quando eu era pequena...




Houve um tempo em que, ao sentarmos para lanchar à tarde, minhas filhas ainda pequenas e eu ficávamos a conversar sobre assuntos diversos até o momento em que, quase findando o lanche eu lhes dizia:
“Quando eu era pequena...”
Imediatamente as três paravam todas as atividades, bracinhos cruzados em cima da mesa e queixos apoiados nos braços, aguardavam a história da minha infância que seria contada em seguida. Nesses momentos nada mais importava para elas, apenas a ansiedade por ouvir uma historinha vivida num tempo e num espaço inimagináveis para elas. Foram momentos felizes, muito felizes e de agradável lembrança.
Numa dessas tardes contei-lhes a história, que por sua vez me foi contada por meu pai, acontecida quando ele era jovem. Fazendo uma continha rápida, voltaremos, facilmente, à primeira metade do século vinte.  A história era a seguinte:
A capela de Barra Velha havia adquirido, ou recebido como doação, um sino para ser colocado no alto da torre da igreja com a finalidade de chamar os fieis para rezar. A dificuldade surgida é que esse sino havia sido entregue, por engano, na capela da localidade de Penha, distante uns quinze quilômetros e o padre precisaria ir buscá-lo lá. Este, já velhinho e sem recursos, via-se impossibilitado de fazer tal viagem. Foi quando um grupo de jovens destemidos da localidade apresentou-se como voluntário para buscar o sino da capela. Eram três ou quatro rapazes que gostavam de se divertir e serviam-se de qualquer pretexto para viver novas aventuras, fazer brincadeiras e dar boas gargalhadas.
E lá foram eles a pé, nesse tempo não havia estradas e muito menos carros para transitar por elas. Seguiram pelo “carreiro”, um caminho que beirava a praia, utilizado pelas pessoas que faziam esse trajeto, conversando e dando risada.
Algumas horas depois, chegaram finalmente à Penha, pegaram o sino, penduraram-no num pedaço de pau e botaram-se no caminho de volta, revezando-se de dois em dois para carregar o peso.
Vinham, como sempre, se divertindo quando, ao passarem por um trecho denominado Xororom, onde a vegetação cobria o caminho formando uma espécie de túnel, tornando-o escuro e sombrio mesmo de dia, ouviram, ao longe, um trote de cavalo. Um cavaleiro solitário se aproximava. Os rapazes entreolharam-se e nem precisaram falar nada. Esconderam-se no mato com o sino e, em silêncio aguardaram a passagem do cavaleiro pelo local. No momento exato em que o pobre homem passava por aquele trecho sinistro, tocaram violentamente o sino. Ouviram então o galope do cavalo saindo em disparada. Riram até não poder mais, penduraram o sino e seguiram viagem. Pelo caminho encontraram estribos, pelegos, selas e arreios do cavalo fugitivo.
Do cavaleiro nunca ouviram falar. Não conseguiram identificá-lo, nem puderam afirmar sobre sua sobrevivência.


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